Algumas considerações sobre a minha filosofia _ 12
A abordagem filosófica abordada nos textos anteriores (“A ciência” e “Breve introdução à filosofia da matemática”), que engloba discussões sobre Nietzsche, a crítica à moral inata, a natureza da ciência e a filosofia da matemática, proporciona um fundamento interessante para ponderar sobre o que é ciência. A partir da compreensão de Nietzsche acerca da ciência como uma construção de narrativa que, em certa medida, nos engana para escapar da angústia e controlar outras narrativas, podemos considerar a ciência como uma metáfora útil, uma linguagem inventada para descrever a natureza, mas sempre suscetível a interpretações e projeções humanas.
Ao adentrar na visão da matemática, podemos estabelecer uma relação com a discussão sobre a objetividade e a necessidade de métodos e sistemas formais na ciência. A ciência, assim como a matemática, pode ser percebida como uma tentativa de compreender e descrever padrões e relações presentes em nossa experiência, através de métodos que buscam consistência e pragmatismo, vide o falsacionismo popperiano. A noção de paradigmas (Thomas Kuhn), refutação de conjecturas e a compreensão da verdade em diferentes dimensões (perspectivismo e "anarquismo" epistemológico ou pluralismo metodológico) mostra a natureza evolutiva da ciência, na qual teorias são revistas e substituídas de acordo com novas evidências e perspectivas.
Portanto, é possível construir uma visão coerente da ciência considerando-a como uma atividade humana intrinsecamente relacionada à nossa exploração e controle do mundo à nossa volta. A ciência representa uma linguagem em constante progressão, sujeita a interpretações, limitações e avanços, mas fundamental para a construção do conhecimento e para a interação entre o sujeito e o objeto. Dentro desse contexto, a ciência pode ser vista como uma forma de autopoiese (Humberto Maturana) intelectual, na qual as estruturas conceituais se auto-organizam e se reproduzem, à medida que buscam uma compreensão cada vez mais refinada da realidade.
O conceito de "anarquismo epistemológico" é frequentemente associado ao filósofo Paul Feyerabend, responsável por uma abordagem crítica à ideia de ter uma metodologia científica única e rígida. Feyerabend argumentava contra a imposição de um único método científico e defendia uma visão mais flexível, pluralista e descentralizada da construção do conhecimento. Dessa forma, o anarquismo epistemológico sugere uma ausência de rigidez metodológica na pesquisa científica, fornecendo a ideia de que diferentes métodos podem ser válidos de acordo com diferentes contextos.
Por sua vez, o "pluralismo metodológico" é uma abordagem que reconhece a diversidade de métodos utilizados na pesquisa científica e aceita a ideia de que não há uma única metodologia universalmente aplicável. Isso está de acordo com a perspectiva de Feyerabend sobre o anarquismo epistemológico, enfatizando a coexistência de múltiplos métodos e abordagens na prática científica.
O perspectivismo nietzschiano sustenta que todas as interpretações e conhecimentos dependem naturalmente da perspectiva individual do observador e que não existe uma visão objetiva ou absoluta da realidade (embora as nossas limitações metodológicas e/ou conceituais não impliquem a ausência de uma realidade absoluta). Para ele, todas as perspectivas são limitadas e dependentes de circunstâncias, experiências e valores pessoais. Cada indivíduo, grupo e cultura interpreta o mundo de acordo com as suas próprias perspectivas e valores. Estas interpretações moldam a nossa compreensão da realidade, são as nossas idiossincrasias, assim, não existe uma única interpretação “correta”, mas apenas algumas parcialmente corretas ou mais verossímeis do que outras.
O perspectivismo sugere, portanto, que há uma abundância de diversidade na interpretação, pois Nietzsche valoriza a diversidade de perspectivas como uma forma de enriquecer a nossa compreensão do mundo, em vez da busca por uma verdade única. Entretanto, o perspectivismo de Nietzsche está relacionado com a ideia de "vontade de poder". Ele argumenta que diferentes perspectivas e interpretações são expressões da vontade de poder de indivíduos e grupos que buscam impor suas visões ao mundo. Por fim, Nietzsche promove uma abordagem autocrítica dos próprios pontos de vista. Ele sugere que reconhecer a natureza contingente e subjetiva da interpretação é uma parte essencial do processo intelectual.
Humberto Maturana, foi um renomado biólogo e filósofo chileno que deixou uma marca significativa na compreensão da vida, da percepção e da ciência. Sua teoria da autopoiese introduz o conceito de sistemas auto-organizadores e autoprodutores, especialmente aplicáveis a organismos vivos. Os sistemas autopoéticos mantêm e reproduzem sua própria estrutura por meio de processos internos, destacando a intrincada relação entre a integridade e a autonomia. No âmbito da percepção, Maturana argumenta que esta é uma construção ativa resultante da interação entre um organismo e seu ambiente. Ele desafia a visão de que a percepção é uma representação direta da realidade, enfatizando seu caráter interpretativo. Para Maturana, as ilusões não são distorções, mas sim parte da percepção, evidenciando a complexidade do processo cognitivo humano.
A abordagem de Maturana para aceitar explicações envolve duas formas inter-relacionadas: explicação e compreensão. A explicação concentra-se em explicar causas e funções, enquanto a compreensão requer a criação de um contexto que torne a explicação inteligível. Este modo reflete a natureza composicional da linguagem e do significado. A definição de realidade de Maturana é muito relativa devido à interação entre os organismos e seu ambiente. A importância das emoções na regulação do comportamento é destacada, pois ele as considera intrínsecas à vida e fundamentais na dinâmica autopoiética dos organismos. A visão de Maturana sobre a ciência destaca a observação, descrição e explicação de fenômenos como atividades fundamentais. Ele enfatiza a natureza construtiva da observação científica, reconhecendo que as teorias e conceitos são construções humanas emergindo da interação com o mundo.
Quanto ao critério de validação das explicações científicas, Maturana propõe a consistência lógica e a adequação operacional. Isso sublinha a importância de explicações que não apenas mantenham uma coerência interna, mas também demonstrem utilidade prática na orientação da ação. Sumariamente, os conceitos de Maturana oferecem uma abordagem profunda e interconectada para compreender a natureza da realidade, da percepção e da ciência, enfatizando a construção ativa e relacional que permeia esses aspectos fundamentais da existência.