Morrer e nascer todos os dias
Ora, pode-se morrer psicologicamente? Entendeis esta pergunta? Podeis morrer para o conhecido, morrer para o que
foi — não com o fim de vos tornardes outra coisa —- sendo esse morrer o fim do conhecido, a libertação do conhecido?
Afinal de contas, a morte é isso.
O organismo físico, naturalmente, morrerá; dele se abusou, foi submetido a mal tratos e frustrações; comeu e bebeu coisas
de toda espécie. Vós sabeis de que maneira viveis, e pelo mesmo caminho continuareis até ele (o organismo físico) perecer. O corpo, por motivo de acidente, de velhice, de doença, da tensão da constante batalha emocional, no interior e no exterior, se deforma, torna-se feio, e morre. Nesse morrer há autocompaixão, e ela existe também quando outra pessoa morre. Quando morre alguém que pensamos amar, não há em nossa tristeza uma grande porção de medo? Porque nos vemos sós, abertos a nós mes-
mos, sem ninguém para nos amparar, nos dar conforto. Nossa tristeza é toda mesclada dessa autocompaixão e desse medo e, naturalmente, nessa incerteza, aceitamos qualquer espécie de
crença.
A Ásia inteira crê na reencarnação, no renascer em outra vida. Se indagamos o que é que vai renascer na próxima vida,
deparam-se-nos dificuldades. Que é que vai renascer? Vossa pessoa? Que sois vós? — um monte de palavras, de opiniões, apego a vossas posses, a vossos móveis, vosso condicionamento.
Esse monte de coisas, que chamais vossa alma, vai renascer na próxima vida? Reencarnação implica que o que hoje sois determina o que sereis na próxima vida. Portanto, comportai-vos bem! — não amanhã, mas hoje, porque pelo que hoje fazeis ides pagar na próxima vida. Os que creem na reencarnação pouco se importam com seu comportamento; trata-se de uma mera crença, sem valor nenhum. Reencarnai-vos hoje, renovai-vos hoje, e não na próxima vida! Mudai completamente esta vida, agora; mudai-a com uma grande paixão, fazei a mente despojar-se de todas as coisas, de todos os condicionamentos, de todos os conhecimentos, de tudo o que pensar ser “correto”; esvaziai-a. Sabereis então o que significa morrer; sabereis então o que é o amor. Porque o amor não pertence ao passado, ao pensamento, à cultura; não é, tampouco, prazer. A mente que compreendeu o inteiro movimento do pensamento se torna sobremodo quieta, absolutamente silenciosa. Esse silêncio é o começo do novo.
(Krishnamurti - A Questão do Impossível)