Os sofistas
O niilismo de Górgias surge da ideia de Protágoras de que o homem é a medida de todas as coisas, medida sendo a norma de julgamento e as coisas a somatória dos fatos ou tudo. Pois sendo o valor veritativo de uma proposição subordinada à capacidade de articulação argumentativa do sujeito, há uma impossibilidade de adequação entre o meu aparato formal/teórico e a realidade, por conseguinte, não há uma verdade absoluta. Eis o seu equívoco, pois o mais prudente e correto seria concluir que não é possível conhecer a realidade, sequer se há (suspendendo o juízo _ epokhé _ ante a assunção do realismo moderado, absoluto, ou do irrealismo). Ou seja, ela é incognoscível (termo kantiano). Digo, o fato de ser possível tornar forte um argumento fraco e vice-versa, não significa, sequer, que há uma impossibilidade gnosiológica (assumindo uma distinção entre gnosiologia e epistemologia, que seria o foco nos aspectos cognitivos ou nas funções mentais em relação a vinda do conhecimento daquela em relação a essa) de se aproximar da verdade, quanto mais de que ela é impossível, ou inexistente. Com isso, o bem e o mal para ele só teria um fundamento seguro no utilitarismo ou no que convém para a maioria, isto é, o que faz bem, pois tendemos a nos afastar do que nos faz mal e nos aproximar do que nos faz bem, estou, pois, a utilizar o vocábulo bem e mal no sentido do que é prazeroso ou desprazeroso, mesmo que isso também seja influenciado pela nossa subjetividade, ou melhor, pela nossa interpretação diante das sensações. É importante destacar que o niilismo de Górgias surge, em parte, do relativismo de Protágoras, mas o "núcleo teorético" é a negação da ontologia "clássica" de Parmênides. Chegando, assim, a ideia de que o ser não existe e, por consequência, nada existe, já que não existe a verdade. Com isso, a palavra ou a linguagem é tudo, há em relação ao ser uma independência onto-veritativa. Digo, ela mascara-se como uma verdade por meio da persuasão (retórica). Dado que pela antilogia de Protágoras o logos diz e contradiz (ao enunciar uma sentença estamos também enunciando a sua contrapositiva, pois a enunciação implica a existência da sua negativa). Tal ideia surge com o seguinte argumento: como podemos tornar qualquer argumento fraco mais forte por meio de técnicas apropriadas (e isso consistia numa virtude, a força da razão), não há qualquer determinação "absoluta" no que tange o "juízo" ou o julgamento sobre o que é belo ou feio, bom ou mal, verdadeiro ou falso. Eis o seu relativismo. Porém, nem tudo é relativo para ele, o fundamento da "medida" se dá pelo que é útil e danoso.
Górgias vislumbra o aspecto puramente formal do pensamento, isto é, é possível pensar coisas que são inexistentes na realidade. Ou por outra, não necessariamente haverá de ter uma correspondência entre conceituação e referente, haja vista, que há possíveis interpretações sobre o que é o ser, sendo este um dos seus argumentos para a sua asserção "o nada existe", onde a conceituação é a respeito do ser ou do princípio. Além do mais, o Pródico foi o responsável por nos trazer a técnica da sinonímia e retomar o utilitarismo de Protágoras. Os erísticos, responsáveis pela vinda da erística, são os sofistas que focaram nas técnicas de refutações, chegando, assim, aos sofismas, que em Aristóteles consiste em um raciocínio falacioso que parte de premissas verdadeiras ou parcialmente verdadeiras ou com algumas delas falsas e conclui algo totalmente equivocado. Poderíamos ver isso no silogismo como a assunção de uma premissa maior verdadeira e a intermediária, a segunda, parcialmente verdadeira ou até mesmo verdadeira, porém, obteríamos uma terceira (a conclusão do silogismo) falsa. Em lógica proposicional poderíamos ter p ^ q como verdadeiro, p ^ r também como verdadeiro, e o operador ^ que relaciona essas duas expressões que estão a representar a relação da proposição p com q e r como verdadeira. Isto é, (p ^ q) ^(p ^ r ), mas ao montarmos uma fórmula bem formada com a implicação ("se, então"), temos (p ^ q) ^ (p ^ r ) ⇒ p ^ q. Ou seja, cometemos um erro, pois como se trata de uma conjunção teríamos que ter p ^ q ^ r ou p ^ q v p ^ r por equivalência, sendo v uma disjunção inclusiva, ou melhor, p ^ (q v r) ao omitir a distributividade. A esses sofistas chamamos de sofistas-políticos. Um dos grandes nomes é Crítias. Ele colocou os deuses como uma ideia que foi desenvolvida simplesmente para se contrapor a lei ou a lei positiva (como veremos nos "naturalistas"), pois para eles a lei não tinha força suficiente para se contrapor a natureza ou ao biológico, nosso eu animal. Outro seria o Trasímaco, também presente nos diálogos socráticos/platônicos (além do Górgias), que afirmava ser a "justiça" nada mais que a conveniência dos mais fortes, o acordo entre eles (os poderosos) para optar pelo que é útil e agradável e a partir disso seria imposto a todos (o povo, a massa) tal ideia, que geraria uma aceitação coletiva, por serem mais fortes. Ou seja, o justo é a vantagem do mais forte. Por fim, temos o Cálicles que a partir disso chega ao extremo do relativismo moral e afirma que é justo (por ser natural) o forte dominar o fraco ou até mesmo o subjugar completamente. Não à toa, os sofistas políticos constituem a degeneração da sofística. Na corrente naturalista da sofística há uma contraposição entre a lei da natureza, aquela que é responsável por definir o que seria "o homem", e a lei positiva, aquela que parte da elaboração do próprio homem, ou seja, da sua própria concepção do que seria o logos, o justo e o belo. Onde na verdade os divide, pois há diferentes interpretações a partir dos diferentes argumentos para a mesma coisa, que seria algo análogo ao que é muito observado hoje, digo, as diferentes culturas dizendo o que seria correto ou não e para muitos isso é um forte argumento em prol do relativismo moral. Contudo, como argumenta C. S. Lewis, mesmo que haja diferentes justificativas para, por vezes, diferentes atos, há, a priori, os mesmos fundamentos, isto é, uma preocupação em ter uma justificativa racional para o que seria moral e imoral. Assim, esse inatismo que nos faz procurar a verdadeira justiça (Justiça) é o princípio universal da moral e que nos é categórico. Assim dizendo, há uma confusão entre relativismo cultural, e moral, em outros termos, o relativismo cultural não implica no moral. A solução no cosmopolitismo e igualitarismo ao assumir tal relativismo já foi proposto por Hípias e Antifonte.
Um dos maiores aportes dos sofistas é a vinda da filosofia moral ao focalizar no homem suas preocupações filosóficas, ao invés do cosmo. Entretanto, não há os fundamentos últimos, pois não conceituam a dimensão ontológica da natureza humana, dado que a ideia do ser ou de qualquer determinação absoluta para eles estaria completamente relacionada a um idealismo "transcendente", e não imanente. Digo, a metafísica que faz-se aqui (antes dos sofistas e até com Platão) é totalmente a clássica, aquilo que investiga e põe os fundamentos para além da physis (definição dada por Aristóteles). E, por fim, a criação do método da sinonímia. Porém, mesmo o relativismo, o utilitarismo e o niilismo posto por eles foram úteis, pois com o descobrimento da retórica ou do poder argumentativo que o domínio da língua trás, fez com que eles ficassem presos nos aspectos semânticos ou na linguagem e se esquecessem (metaforicamente) da sintaxe, isto é, dos aspectos formais que vão desde a utilização de uma língua até a construção de um sistema filosófico, até mesmo em um mero processo de reflexão. Ou por outra, eles ficaram vislumbrados com os "seus" poderes. Mas de toda forma isto tudo foi necessário para que Sócrates começasse a construir em bases mais sólidas o alicerce do que constituiria a filosofia clássica. Ademais, o quadro da natureza humana que se tinha nos sofistas era deveras vil. Por exemplo, para Protágoras o homem era determinado pela sua sensibilidade e sensações “relativizantes”. Para Górgias somos "sujeitos sujeitos" a emoções mutáveis e inconstantes, passíveis de irem a qualquer lugar pela retórica. Por sua vez, os naturalistas concebiam o homem como determinado pela sua dimensão animal ou biológica, tornando, assim, impossível o homem voltar à escala mais alta da natureza humana, a espiritual. E tudo isso contribui para o surgimento de uma "ética subjetiva", na qual cada indivíduo ou sociedade determina sua própria verdade, sem referenciais universais. O problema reside no fato de que tal abordagem resulta em uma falta de princípios éticos universais, potencializando a justificação de ações moralmente questionáveis, o que traria prejuízos para a maioria.