Egoísmo e culpa
Hoje eu fiz algo que há muito tempo não sabia o que era: Dancei.
Eu sei, eu sei... isso soa muito estranho à minha pessoa. Mas ainda assim o fiz.
Audácia? Ousadia? Eu chamo egoísmo.
Sim, fui egoísta e antes de qualquer julgamento já digo de antemão, vocês verão desde já uma Fernanda nova, a egoísta. Olhem bem, mirem bem e não a percam de vista, ela veio pra ficar.
O mundo tá uma porcaria, sabemos. Isso não é novidade pra ninguém, climática, social, política, humanitáriamente erramos, e erramos feio. Eu sempre me importei, sempre fui uma pessoa que comprou a dor dos fracos, oprimidos e injustiçados.
E sofro, sofro muito. Meu estado constante sempre foi o “depressivo”. A dor do mundo sempre doeu mais forte em mim, sempre me paralisou e mais que isso, me deixou sentir uma culpa que não me cabia, nem me cabe.
Sempre sofri de uma revolta e indignação passiva. Reclamando sim, sofrendo mais ainda, mas da frente da minha tela.
E quando no meu dia acontecia algo bom, algo gostoso, que me arrancasse um sorriso, mesmo que tímido, eu logo o abortava.
Isso ficou muito evidente com o massacre genocida que está acontecendo em Gaza, e na Palestina como um todo.
Eu te pergunto: como posso rir enquanto há milhares de pessoas morrendo de uma maneira brutal? Como posso seguir minha vida naturalmente, como se nada tivesse acontecendo? Músicas, filmes, teatros, faculdade, almoços, jantares, risadas... como? Planejando férias. Viagens.
A população de Gaza sequer tem o direito de permanecer na sua terra. Ceifadas do direito de ir e vir.
Como posso sorrir tranquila? Escolher o jantar? Ver uma peça? Reclamar de uma prova na faculdade?
Decidi que queria fazer alguma coisa. Mas o que? Então fui conversar com pessoas que estão efetivamente agindo. “Veja as imagens, mostre pras pessoas, fale sobre isso, vá pra rua pressionar o governo”, eles disseram.
E foi o que fiz. Eu quero ajudar.
Após muitas indicações, cheguei à um jornalista palestino que mostra a realidade nua e crua, através de suas fotos, vídeos e um boletim diário em árabe e inglês.
Seu nome é Motaz Azaiza, um jovenzinho de 24 anos, poderia ser meu filho. Eu olho pro rostinho dele e lembro do meu sobrinho que se não tiver a mesma idade, não chega ser um ano mais novo.
Ele tem visto tanta coisa horrível, e nós vemos uma fração delas através de suas lentes e já é o bastante pra nos adoecer. Ele dia após dia está definhando na nossa frente, perdeu 13 membros da sua família, num bombardeio que ele foi chamado pra cobrir e chegando lá descobriu que se tratava dos seus parentes.
Todos os dias ele implora por nossa ajuda. “Vejam essas imagens, eu sei que são horríveis de ver, mas só está vendo, nós estamos vivendo. Vejam, divulguem e por favor nos ajudem”
E eu as via. HORROR. Nem mesmo nos filmes mais elaborados se imagina cenas como as que ele mostra.
Acontece que eu não aguento mais ver.
Egoísmo, eu sei. Preciso ser egoísta nesse momento. Preciso dançar. Preciso ler um poema. Preciso ver um romance. Preciso abraçar um bicho. Preciso ir ao teatro. Preciso programar férias, preciso rir de bobagem.
É justo? Não sei, não deve ser. Mas acho que chegou a hora de ser um pouco egoísta e pensar em mim também, só se eu estiver bem, poderei de alguma forma ser útil.
Acho que você vai me dar razão, então eu aproveito e te pergunto:
Como ser egoísta e não se sentir culpada por isso?
Se souber, me ensina.
Por favor.