Pássaros aprisionados
Coisas acontecem em nossas vidas. E chegamos a um ponto no qual sentimos muita dor. Podemos até mesmo sentir que estamos aprisionados. Como um pássaro cantante que, antes livre, voando de um lado ao outro, foi, então, capturado e tido seu poder de alcance limitado à pequenina área de uma gaiola. Gaiola que sufoca e angustia. Gaiola que também tortura já que, através de suas grades, o passarinho pode ver todo o mundo de possibilidades disponível, mundo do qual ele se encontra impossibilitado de usufruir. O tempo passa. E alguém talvez abra a gaiola. Ou simplesmente a esqueça aberta. Mas o pássaro antes tão livre e encantador perdeu sua coragem e seu brilho. Nem mesmo percebe que a liberdade retornou, tamanha é a prisão de sua mente. Não arrisca. Não sai da gaiola. Talvez não saiba como fazer isso, talvez não consiga vê-la aberta, ou talvez já não tenha coragem para tornar a viver por conta própria. E, então, como justificativa para a manutenção de sua prisão, culpa aqueles que o capturaram e acorrentaram, sem perceber que não foram capazes de retirar suas asas e, portanto, não foram capazes de destruir aquilo para o qual ele foi designado: simplesmente voar.
“A partir do momento em que crescemos, que nos tornamos adultos, somos responsáveis por nossa vida e nosso destino; somos responsáveis por nossas dificuldades. Podemos tomar consciência de onde vieram, como se constituíram. Podemos até experimentar ressentimentos e carências com relação a nossos pais, familiares e professores, mas como um processo de acolhimento e reconhecimento de nossas dificuldades, e não como justificativa para a manutenção do sofrimento” (Beatriz Cardella)
Esse pensamento não diz tudo por si só? Porque é o que sinto em muitos pacientes que vêm até mim. E sinto em mim mesmo também. É muito mais fácil olhar para o passado, a partir da dor do presente, procurando por culpados em pessoas ou situações. Isso talvez nos alivie do fardo de assumir a responsabilidade que temos diante de nossas dores. No entanto, é tremendamente enriquecedor olhar para esse passado sabendo que não estamos mais acorrentados a ele, a gaiola foi aberta e podemos voar livremente desde que façamos essa escolha.
Como bem pontua a autora, reconhecer um passado de caos e sofrimento faz parte da busca por compreensão e acolhimento que podemos oferecer a nós mesmos. Faz parte do fortalecimento de uma autoestima abalada. Faz parte da cicatrização de feridas abertas. Mas jamais pode ser usado como escudo para a privação a qual nos rendemos diante da nossa chance de experimentar a vida com todas as suas peculiaridades: seus aspectos bons e seus aspectos ruins. Não é o passado que causa o sofrimento de hoje. Ele pode ter causado quando aconteceu, lá atrás, naquele momento, quando, por certo, não tivemos muita escolha. Mas hoje somos outros, o mundo é outro e as circunstâncias também são outras. Talvez estejamos realizando a manutenção de nosso sofrimento, de nossa gaiola, por medo de nos arriscarmos a sentir o mundo, a voar por aí. E nessa não percebemos o quanto estamos limitando a nossa força e o nosso potencial.
Acolha-se pela dor que sentiu. Responsabilize-se pela cura que procura. Abra a gaiola. Ou aceite que ela já não está mais trancada. E feito um pássaro cantante, voe pelo universo de possibilidades oferecido a você!
(Texto de @Amilton_Jnior)