Apreciar de verdade

Sou psicólogo. E dentro da Psicologia costumamos brincar que psicólogos estudam para sempre. O que é verdade, além de necessário. Afinal de contas, o ser humano é contínuo e dinâmico. Está em contínua transformação. De maneira que não podemos nos contentar com a leitura de um único livro escrito há décadas. As teorias se atualizam e modernizam com a intenção de acompanhar a evolução da humanidade. Então não podemos estagnar nem nos contentar. Muito menos ter preguiça ou nos deixar vencer pelo cansaço. O estudo, além de nossa própria mente, é nosso mais importante instrumento de trabalho! Algo simplesmente indispensável.

Mas isso não é nenhum problema. Desde a época da faculdade sempre fiquei empolgado por estudar boa parte dos conteúdos propostos. Porque quanto mais estudo, mais ideias tenho para as minhas reflexões. Talvez essa seja uma das coisas mais belas em se estudar Psicologia. Às vezes é por si só terapêutico, embora não substitua a psicoterapia. É enriquecedor. Confronta-nos com aspectos de nós mesmos e nos coloca para pensar acerca de toda a humanidade. É fascinante. Nenhum pouco entediante. É até estimulante! Talvez eu seja suspeito para falar, mas estudar Psicologia é mesmo algo maravilhoso, agregador, uma experiência como poucas.

Numa dessas ocasiões, lendo o livro “Descobrindo Crianças”, escrito por Violet Oaklander, psicóloga que trabalhava magistralmente com crianças, fui advertido pela seguinte passagem:

“Com frequência, arruinamos visões e experiências agradáveis por nossa preocupação com o que poderia acontecer depois. Observamos um belo pôr do sol, esforçando-nos para captar tudo antes que desapareça no horizonte. Esse próprio esforço, uma espécie de apego, nos priva do prazer de ver a beleza do momento. Esse tipo de apego é universal. Gosto de tirar fotos quando viajo. No entanto, percebo que muitas vezes o desejo de capturar a bela vista priva-me de apreciar essa vista”

Isso não é absurdamente verdadeiro? Há grandes chances de que muitas pessoas que estejam lendo a esse texto nesse momento acabem se distraindo com pensamentos sobre o que precisam fazer depois. E acabam não apreciando cada palavra aqui escrita, não as sentem e, provavelmente, mesmo que deixem uma curtida ao final da leitura, pouco terão absorvido do conteúdo tamanha a distração na qual se encontram, tamanha é a preocupação com o futuro que acabam perdendo a maior das dádivas: o momento presente!

Dei um pequeno exemplo. Mas quantos que acabam distraídos enquanto passeiam com seus filhos? Ou não sentem de verdade os toques sutis da pessoa amada? Ou mal escutam as palavras de seus pais? E mal percebem seus próprios pensamentos? Deixam-se levar por preocupações infrutíferas. Infrutíferas por que dizem respeito a coisas que, por agora, no momento presente, não seriam solucionadas. Enquanto que deveriam estar preocupadas em permitir que seus corpos, através de seus sentidos, registrassem a memória de cada pequenino e importante momento vivido com aqueles – ou aquilo – que lhes são especiais.

Entretanto, também podemos desenvolver o que a autora aproximou de um possível “apego” às experiências. Porque sabemos que elas terminarão. O sol terá que se pôr. E a viagem precisará chegar ao fim. Não queremos que acabem. Que terminem. Porque são coisas belas de assistir, experiências agradáveis pelas quais passar. E não queremos que terminem. Não queremos nos despedir. Por isso nos apegamos. E nos apegamos tanto que, quando o fim chega, porque ele inevitavelmente sempre chega, acabamos aprisionados a uma dor e a um desespero paralisantes. Ficamos tão arraigados nessa dor que não nos damos conta de que há outras viagens para serem vividas, como há outro pôr-do-sol a ser apreciado. Talvez em outro lugar. Com outras pessoas. Sendo nós mesmos diferentes. Mas sempre haverá uma nova oportunidade após toda boa experiência, por melhores que elas tenham sido. Só que isso só acontecerá realmente se estivermos disponíveis. Atentos ao fluir da vida. Fluindo nós mesmos com ela. Agradecidos pelo que foi. Abertos ao que virá. Verdadeiramente conectados ao que está sendo!

Aprecie a vida. De verdade. Por completo. Não se apegue. Nem se acorrente. Flua. Deixe fluir. Há coisas boas por aí!

(Texto de @Amilton.Jnior)