Insensibilidade que assusta

Não sei se sempre foi assim, até porque nem sempre estive aqui. Aliás, a minha existência, comparada ao tempo de existência do restante do Universo, é praticamente insignificante. Meus poucos vinte e cinco anos não me permitiram viver as tantas coisas que há. Então não sei se a minha percepção é de todo verdadeira. Mas sinto que andamos muito insensíveis, como se o sofrimento, a dor, o desconforto do outro nada significasse. Como se o fato de milhares de pessoas sofrerem e prantearem fosse a coisa mais normal do mundo. Recentemente assisti a uma cena que me deixou horrorizado. Um rapaz, que tem quase a mesma idade que a minha, foi covarde e brutalmente agredido por um sujeito desequilibrado enquanto um terceiro, inerte, apenas assistiu sem um dedo mover. Não que ele devesse se meter em brigas alheias e acabar sofrendo as consequências. Mas será que sua insensibilidade naquele instante foi tão maior que a sua humanidade? Não poderia ter pedido ajuda já que poderia ter se sentido insuficiente? Será que a dor, o lamento e o pranto do outro não foram capazes de tocá-lo? Ou será que ele só pode se sensibilizar por alguém que pensa, age e fala como ele? Porque essa é a impressão que tenho na vida. Só nos importamos se o outro nos for em alguma medida simpático a nós, aos nossos ideais e aos nossos preceitos. E com isso permitimos que milhões de pessoas, dentre idosos e crianças, morram de fome ao redor do mundo, sejam vítimas de guerras brutais motivadas por razões toscas, somem-se ao número daqueles que foram cruel e impiedosamente esquecidos, deixados de escanteio, relegados à margem do mundo.

Isso me apavora. Porque a nossa ação insensível perante o sofrimento que existe e persiste pode ser crucial para o fim da nossa espécie. Muitos falam sobre um dia final, no qual os céus se rasgarão e a terra tremerá. Quando o fim de todas as coisas enfim será decretado. Talvez isso aconteça. Talvez não aconteça. Mas o que já está acontecendo é a própria humanidade se destruindo lentamente. Falta de diálogos, falta de paciência, excesso de raiva, descontrole exacerbado. Não há respeito, nem consideração. Os mais velhos? São vistos como descartáveis. Os mais jovens? Mentes a serem moldadas, manipuladas, limitadas. A humanidade tem se corrompido. Deixado de lado aquilo que a caracteriza: sua sensibilidade. Talvez não seja necessário um Apocalipse para que o mundo acabe. Minha sensação é a de que nós próprios estamos destruindo a casa que nos foi emprestada quando destruímos a nós mesmos, nossos sentimentos, nosso direito de existir.

O que mais me apavora é que ninguém parece perceber. Tudo está acontecendo de forma silenciosamente estrondosa. Está bem diante dos nossos olhos, mas disfarçado. E nós estamos achando normal, bonito. Estamos distraídos enquanto o mundo entra em ebulição. É como o sapo na panela cuja água foi colocada para ferver. No começo ele se sente como numa banheira aquecida. E no final morre sem perceber que estava sendo cozinhado. Falta de sensibilidade. Excesso de distração. Que recuperemos nossa humanidade, que nos reconectemos com nossa sensibilidade para que sintamos o mundo, o ambiente, a nós mesmos. Para que despertemos para a ameaça que nos cerca: a de sermos a curiosa espécie que extinguiu a si própria.

(Texto de @Amilton.Jnior)