UMA DOSE DE SOLIDÃO
Gosto de experimentar a solidão em doses avulsas e sorver até a última gota. Ela é acida e desce rasgando a garganta deixado um rastro de anseios e fazendo formigar a alma.
Poucos saboreiam a graça de passar um domingo sozinha ou um final de tarde na varanda de modo singular. Muitos reagem a solidão de forma temerosa e por isso ela é tão evitada e temida.
São considerados loucos àqueles que a enfeitam e a cultivam como flor no sol morno de outono.
Gosto de apreciar seu toque gélido e a venero em meus poemas, somos confidentes e companheiras de vida.
Gosto do que somos juntas, a solidão e eu.
Rimos, cantamos, ou passamos o dia de pijama com um livro aberto no colo. Ela combina com um dia vazio de pessoas e cheios de nós mesmos, aflorando quem somos por dentro e derretendo as geleiras mais profundas. E, admito que já estou cansada de esconder minha verdadeira face e meus pormenores.
Por vezes deixo a máscara cair e me alimento do luxo de estar só e ser apenas eu mesma e não um amontoado de certezas e esperanças depositadas em mim.
Um dia, só. Sem telefone ou contato com o mundo externo, apenas meu próprio reflexo em conflito no espelho.
Há beleza em estar só, uma monotonia agradável e tão pouco dolorosa.
Entendi que por vezes é preciso sileciar o barulho incessante de vozes que não nos convém, de locais que não deveríamos estar e de convivências que deveríamos evitar.
De tempos em tempos é necessário nos refugiarmos em nosso imenso vale de incertezas e ouvirmos o eco da razão nos trazendo de volta à sanidade da vida.
A solidão sussurra conselhos valiosos que não podem ser ouvidos na multidão barulhenta e agitada.
A solidão é companhia alternativa, mas nunca permanente.
Sempre entra pela porta da frente, toma um chá e vai embora deixando seu legado nos rastros do tapete da sala de estar. Sua visita não pode ser constante, ela é servida numa taça, como um vinho raro que bebericamos lentamente apreciando seu sabor.