Um texto cru
A situação meio que é a seguinte:
Minhas paredes tem alguns pontos de mofo, alguns ninhos de cupim abandonados, uma pintura porca que não fui eu quem fez, algumas falhas de limpeza com aranhas e traças nos cantos e uns azulejos que guardam o encosto das comidas e bebidas, minhas e dos gatos.
Cultivo agora um vaso com nome próprio de um serzinho que me fez companhia por algum tempo. Meus gatos gostam tanto quanto eu das aranhas e formigas que se juntam nos trilhos misteriosos que não sustentam razão lógica pra serem além de pura falta de opção, como os do sangue. (vide engenheiros)
No meu cantinho de comida juntaram carunchos uns dias atrás e depois de um certo trauma meus dedos parecem mais sutis e os cantos de ônibus parecem adequados.
Os sons estão ressoando de um jeito sensorial diferente. Os panos traçam meu corpo de um jeito estranho.
Minha geladeira não foi descongelada tem um tempo, minha tia querida, um pouco mais que uma mãe na minha história, retirou um cisto do seio esquerdo e conta com otimismo como o braço voltou a levantar com a fisioterapia.
Minhas panelas não têm lugar certo e ficam com os potes de plástico debaixo de uma parte da minha pia.
Meus livros estão empilhados, juntando poeira e meu pai foi diagnosticado, há alguns meses, com uma doença degenerativa sem cura que já assola o imaginário da minha família tem uns anos e pouco a pouco não consegue andar mais.
Só cozinho coisas fáceis em casa. Como no bandejão da universidade que sustenta meu contrato de trabalho durante a semana e nesse sábado faço 21 anos.
Comprei uns discos por impulso, escrevi meias poesias e ensaiei demais como começar a escrever um conto, o qual estimo que será uma maravilha de se ler. (Sobre corujas, gatos, sapos e uns bichinhos mais)
Consegui lavar minha roupa ontem e minha mãe sofreu violência doméstica sábado passado. Foi agredida pelo atual marido. (Ex-presidiário, 10 anos por homicídio)
Me distancio de muitas coisas, todas as que falei, e pouco a pouco me vejo me distanciando de mim mesmo.
Já não tenho coragem suficiente pra usar os pronomes que me constam, cultivei um bigode que não sei se ainda me agrada e não encontrei mais oportunidade pra usar as roupas que eu gosto. (Uma saia preta plissada, um shorts azul-calcinha do piupiu, meu sapato bordado...)
Creio muito que nada disso é culpa de ninguém, se descontarmos a sociedade machista e o capitalismo da coisa toda, mas ainda assim eu colocava tudo isso no balaio da minha conta.
Hoje olhei pros carros da rua trafegando, nesse dia curto de hoje em que não fui trabalhar e tive o prazer do ócio, e não tive vontade nenhuma de pular na frente do mais bonito e mais rápido.
Todos os problemas da minha vida ou estão fora do meu alcance, estáticos pela consciência de impotência, ou estão dentro e eu não faço a menor ideia de como resolver.
Me sinto otimista por ainda conseguir fazer carinho no Granizo e na Garoa.
As cores estão vividas e talvez a minha questão sensorial seja um grito desesperado do meu corpo me chamando de volta a mim.
Só eu sou problema meu.
Só a minha solidão me acompanha.
Me distanciei de uma parte muito querida, um coração muito querido que bate fora do meu peito.
Escolhi fumar cigarro direto e sinto falta das balinhas de canela que eu comprei no início das semanas passadas e coloquei na boca depois de todas as vezes em que fumei. (Talvez esteja fazendo uma associação de hábitos, não sei)
Eu sou uma parte de mim, e isso talvez estivesse meio obscuro na minha cabeça.
Ouvi de gente importante que a culpa que eu sinto talvez seja até um recurso narcísico que não me move de lugar nenhum pra lugar nenhum, só faz ser sobre mim.
A culpa da fatalidade sempre pende demais pra quem pensa que sabe de tudo.
O miado dos meus gatos nesse ponto gritam muito mais a solidão que a minha cogitação poderia pensar.
"Cadê meu pai?" "Cadê minha mãe?" É talvez o que queiram dizer quando sento sem eles do lado de fora de casa.
Bom, meus filhinhos, nem eu sei.
Onde será que eu fui parar?