Sua casa

Ouvi, certa vez, que somos seres espirituais tendo uma experiência humana. Concebo espiritualidade como algo que vai além do religioso. O espiritual, para mim, é aquela instância que não alcançamos com o nosso intelecto, que está muito acima de nós, guardando mistérios incompreensíveis à fragilidade e limitação da mente humana. O espiritual é o transcendente. É aquela dimensão na qual sentimos o indescritível, o irreconhecível, o que nos faz ter a certeza de que a vida é muito mais do que aquilo que conseguimos contemplar com os nossos olhos! Mas que nos atrai e nos agrada. É como se vivêssemos em busca desse indescritível. Isso porque somos, em essência, seres espirituais, capazes de transcender, tendo uma experiência humana, capaz de nos aperfeiçoar.

No entanto, como estamos vivendo essa experiência humana, tivemos que nos materializar. Precisamos ser acolhidos de alguma forma para que vivêssemos o que há para ser vivido. E estamos nesse corpo no qual habitamos. Que foi, de certa forma, emprestado a nós já que, um dia, ele deitará para que nunca mais se levante, para que se desfaça como o pó, para que deixe de ser e liberte a essência que somos, o transcendente que não explicamos, esse mistério que a compreensão do ser humano não é capaz de desvendar. Um corpo que pode nos ensinar. Um corpo através do qual seremos ensinados. Ensinados a amar, ensinados a acolher, ensinados a aprender, ensinados a errar, ensinados a pedir perdão, ensinados a nos esforçarmos por cultivar humildade. Um corpo que nos fará melhores. Não exteriormente, porque isso de pouco importa. Mas interiormente, porque é assim que nos eternizaremos. Somos seres espirituais vivendo essa experiência humana para que, quando tivermos que partir, estejamos melhores do que quando chegamos.

Pelo menos é assim que gosto de pensar. É assim que gosto de atribuir algum sentido para o que fazemos por aqui, para as dores que precisamos superar, para os obstáculos com os quais lutamos, para as lágrimas que derramamos, bem como para as gargalhadas que soamos, para os afetos que recebemos, para os amores que compartilhamos. Tudo isso serve para o nosso aperfeiçoamento, nosso melhoramento, nossa evolução!

O que acontece, infelizmente, é que desconsideramos e desrespeitamos a nossa casa, o nosso lar, o nosso corpo. É verdade que um dia precisaremos deixá-lo por aqui, desaparecendo com o tempo. Mas é ainda mais verdade que até esse dia chegar ele será tudo o que teremos, a única coisa que não poderá ser tirada de nós, através da qual sentiremos os prazeres do existir. Muitos estão desconectados de seu lar. Estão quase que no automático. Nem mesmo percebem o ritmo da própria respiração. Não respeitam as próprias necessidades. Nem conseguem se observar com um pouco de carinho, respeito e acolhimento. Não cuidam de si próprios. Não cuidam de sua casa. Não zelam por essa construção tão importante e necessária.

Porque é através do nosso corpo que sentimos o mundo.

Como anda o seu cuidado para com a sua casa? E não é que devamos nos preocupar com isso porque existe o risco de que alguém venha nos visitar. Aliás, a nossa casa literal, aquela de blocos e cimento, mantemos organizada até pelo nosso próprio bem-estar. Não há nada tão agradável quanto uma cozinha bem arejada, uma sala bem organizada e um quarto bem arrumado. Sentimos prazer em habitar naquele lugar. Mesmo que seja simples. Mesmo que em nada pareça com aquelas mansões de novela. O simples fato de estar arrumada e perfumada faz de nossa casa o melhor e mais seguro lugar do mundo!

Entretanto, se deixamos nossa casa bagunçada, se permitimos que o lixo se acumule e pouco fazemos para limpar a sujeira, pode ser que habitemos em um apartamento luxuoso, não sentiremos alegria, não teremos prazer, será como se estivéssemos em uma prisão. Sentimo-nos desconfortáveis, apáticos. Isso porque ao nosso redor tudo está bagunçado e desordenado. Até que arrumamos. Limpamos. Perfumamos. E, então, a paz retorna ao nosso espírito.

Voltemos ao nosso corpo. Você não deve cuidar dele porque os outros o verão ou o tocarão, mas simplesmente porque é você quem mora aí. Como anda o seu respeito pelo seu lar? Como anda o seu carinho pela sua casa? Ainda que seu corpo não seja como aqueles estampados em revistas de modelos. Mas ele é o seu lar. É onde habita a sua alma. É onde reside seus sentimentos. É através do qual seus sonhos serão alcançados. É com ele que você contempla o pôr-do-sol e é com ele que você sente a magia do amor ao se encontrar com a pessoa amada. É ele quem garante a sua existência. Esse abrir para o mundo com suas experiências. Já parou para pensar que talvez a vida esteja sem sentido porque a sua casa anda negligenciada? Desperte para a necessidade de cuidar de si mesmo com apreço e diligência. Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana. Mas corpo e espírito, apesar de dicotomizados, no final, são um só. Cuide da sua casa!

(Texto de @Amilton.Jnior)