O que acontece no escuro
Texto
Quando eu tinha cinco anos, eu caí e ralei o joelho. Aquela foi a primeira vez que eu me machuquei de verdade. E eu chorei como se fosse a pior dor do mundo. Não era mentira, já aquela era a maior dor que eu conhecia. Até aquele momento, eu nunca tinha pensado em como me proteger contra os acidentes, minha vida era baseada na fantasia de que nada nunca ia poder me machucar. Naquele dia, eu percebi que eu não era imune a dor como eu pensava. Que um descuido qualquer poderia me jogar ao chão outra vez e comecei a entender pela primeira vez a complexidade da palavra medo. Bom, para uma criança, o escuro pode ser a coisa mais apavorante do mundo. Para um adulto esse medo ganha forma na imprevisibilidade do futuro. Mas o medo é o mesmo, em ambas as situações você está dizendo para o mundo " eu tenho medo do que eu desconheço ."
Da segunda vez que eu caí, a dor não foi nem de longe um pouco menor, mas sei lá, tive a sensação de ser uma dor já conhecida, uma dor familiar. Então eu me reservei ao direito de chorar baixinho, em segredo. Eu já não era mais tão criança assim. Lá pela milésima vez, a dor se tornava minha amiga, uma companhia na escuridão dos meus pensamentos. Por dentro, tudo me doía, tudo incomodava. E parecia, que a cada nova queda, eu me afastava um pouco mais daquela inocência tola. De repente, os machucados físicos foram dando lugar aos traumas do coração e da mente. Lá, no inconsciente, a probabilidade de me ferir, era mil vezes maior do que acidentalmente bater o dedinho do pé em uma pedra. Isso porquê, me ferir com sentimentos, não era uma escolha minha apenas. Quer dizer, não tinha sido um descuido me cortar com um vidro quebrado, não tinha sido por falta de proteções que eu havia me desmontado. Não! A verdade é que, meu coração andou por muito tempo despreparado, como se não tivesse onde se segurar. A verdade é que, muitos vão me dizer que eu tinha que ter me guardado, que a experiência que eu tive, me deu bases pra prever. Não! Eu não previ. Dei ao meu coração a tarefa de pular e não me precavi.
Desde a última vez, desde o último acidente, eu ainda estou no chão, no escuro, sem saber muito bem para onde ir.
Mas nada mudou entre a primeira e a última vez que eu caí, seja qual for a causa do tombo. Eu sobrevivi!