Infância sofrida

Ema,não brinques com água,

vem fazer a medicação,

hoje não há banho,

corre vamos ao hospital,ela não está bem. Essas palavras eram recorrentes na minha meninice.

Quando ele vier vou lhe dizer o que estamos a passar. Não chores Mumy. Quando é que me vão dar um irmão?! Eram os gritos inocentes de um coração carente.

Mas o que não mostrava essa alma abalada eram as feridas internas que careciam de cuidados.

Ohhhhh muitos cuidados.

O tempo não parou e a abuso continuou. Falta de atenção,pouca participação ...

Mas quem se importa?

Afinal de contas outros também crescem sem os progenitores e conseguem se manter vivos,se tornam adultos ativos,e saem vitoriosos.

Mas não se fala da lacuna que fica,da fragilidade interna,dos traumas,das inseguranças,dos medos,da indecisão,ohhhhhh da pouca apreciação de si mesma.

Mas você pode,diziam eles, você é forte.

Tão atrevida que é questiona de frente ao indivíduo o por quê do seu abandono,o que gera tensão entre eles. Já vi que afinal aqui não se fala verdades nem se cobra motivos. Simplesmente querem que eu agradeça por estar vivo..?! Ohh chatice. Valha-me Deus. Se assim o é, então prefiro continuar usando papel como rascunho para os meus raciocínios e amortecer a boca pra não trazer ao alto tudo quanto poderia.

Mas assim não se vive,pensei eu. Tive de encontrar uma forma de sobreviver em meio a tanta pressão interna,porém sempre mostrando o quão forte era. Afinal,existe o Tabú de que se eu não o fizer não mostro credibilidade no criador... Enfim.

Apeguei-me ao que acreditava e esqueci o que sentia,e assim vivi durante um tempo. Mas quando o corpo começou a responder aos gritos interiores,quem o poderia acalmar se não dotado na questão. Não foi,um,nem 2,nem 3,nem 4,nem 5,nem 6,perdi a conta, não enxerguei naturalidade nos seus argumentos. Então desisti. Daí pensei conhecer alguém com quem levar tal bagagem,ignorando o facto de trouxera pra mim fardos acrescidos que levavam ao tombo. Calada gritava,olhando suspirava,mas sempre tentando ver em tudo os melhores quadros. Afinal preciso me concentrar no que acredito e praticar o que aprendo. Pra que se concentrar em sentimentos?! É inconcebível deixar que meras sensações tomem conta de toda uma vida.

Dali o corpo gritou tão alto que não pude esconder,ouviu-se até nos cantos mais distantes,nos oceanos não conhecidos,nos céus estendidos,ohhhhhhhhh que dor do gemido. O que dizer agora,?!! O que fazer se não abrir a boca e vomitar o tanto de toxicidade que fui acumulando...neste momento as pessoas olharão como revoltada, não entrosada,mas o que importa??!

Ninguém sabe das rachas,das cicatrizes,dos traumas,dos gritos de socorro... Apenas ficou na história a minha infância sofrida.

By 3JP

Thalita Sulamita Paulo
Enviado por Thalita Sulamita Paulo em 16/09/2023
Reeditado em 16/09/2023
Código do texto: T7887110
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