piracema
Lembro-me que na conversa de geógrafos na mesa do bar naquela noite, última noite, diziam sobre a catástrofe em São Luís do Paraitinga 10 anos atrás: todo rio corre pro mar. Foi nessa hora que me levantei, desconfortável, e fui pra detrás do balcão pensando "o meu mar está correndo para o rio, e o faz num movimento lindo e sereno, embora rebelde, mas segue cordato em seu leito, cheio de contradições em si". Pensei que meu próprio mar vai experimentando uma espécie de piracema, correndo acima em busca de uma nascente.
Mexeu comigo o momento. Encheu-me como um aguaceiro que faz uma cidade ruir. Em seguida, cravou-se no meu peito um sentimento morno, uma certa condescendência, como o perdão ao herege que desviou-se das escrituras: vou desafogar o mar, dá-lo ao descanso, um pouco, levá-lo pra um passeio pelo rio, coisa que nunca faz, porque somente jaz ali, batendo, sem descanso, como o coração aqui no meu peito.
Vou levá-lo comigo rio acima.