EXPLICAÇÕES

 

"Amar é ter um pássaro pousado no dedo.
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,
a qualquer momento, ele pode voar."

Rubem Alves

 

Quando coisas inesperadas nos acontecem, ficamos à margem da vida, chocados, como se tivéssemos recebido um forte golpe de caratê que veio não se sabe de onde. Primeiro, a negação. Depois, a dor, que vai subindo aos pouquinhos, adormecendo todos os outros sentidos. E conforme vamos aceitando que não é sonho, que realmente aconteceu; quando somos pegos pela manhã seguinte, e não é como naqueles filmes em que alguém consegue voltar ao passado e trazer alguém que morreu de volta, ou então agir de forma diferente a fim de consertar um resultado ruim, a gente quer da vida uma explicação.

 

Só que a vida não nos dá nenhuma. Talvez ela esteja apenas sendo a vida, e aquilo que para nós representa  tragédia, sofrimento e dor, para ela é só um simples acontecimento. É só a vida nos dizendo que tudo tem o seu tempo. Tudo nasce e morre, e até hoje, nunca foi diferente, e que aquilo que acontece a um de nós, acontecerá a todos. É só uma questão de tempo.

 

Então percebemos que não adianta fazer perguntas ou pedir explicações. Basta aprender a aceitar. É preciso resiliência, aceitação sem revolta, sem ódio, pensando em tudo de bom que aprendemos e nos bons momentos vividos durante o tempo em que tivemos em nossas vidas aquilo ou aquele que perdemos.

 

 

É preciso aprender a agradecer, mesmo diante da perda. Vai haver choro e ranger de dentes: isso faz parte do luto. É difícil viver sem alguém que partilhou nosas vidas, nossos caminhos, durante tanto tempo. É difícil decidir o que fazer com todo aquele amor que tinha destino certo, e que agora ficou como que dependurado no abismo, sem destinatário. O que fazer com ele? Porque o amor que temos por um ser que não está mais aqui jamais poderá ser dado a outro. Podemos até aprender a sentir um outro tipo de amor por alguém diferente, mas aquele, que construímos junto com o ser amado que se foi, fica ali, sem destino, jorrando no abismo.

 

E não tem efeito especial de filme que possa mudar os acontecimentos. É nunca mais, e pronto. É adeus. É um membro arrancado, um parto reverso à fórceps de alguém que ainda poderia estar aqui, como naquela música do Chco Buarque,  "Pedaço de mim."

 

Perdi minha cachorrinha. E confesso que a ausência dela está sendo muito difícil.  E olha que eu já passei por tantas perdas na vida, que já deveria ter aprendido que não adianta nada chorar, lamentar-se, perguntar por que, exigir explicações. Nada nos será dado. 

 

Luis Gasparetto vivia dizendo que "A vida não mima." Ele estava certo. 

 

E os espíritas dizem, "Ah, não fique triste, ela continua viva lá do outro lado." Isso não consola em nada, pois é aqui que eu queria que ela estivesse. Outros dizem: "Foi para o céu dos cachorrinhos," "Está nos braços de Deus," "Virou estrelinha." Mas eu queria que ela estivesse aqui. Pensamento imaturo e egoísta, eu sei. Tenho certeza de que ela está melhor agora. Muito melhor do que eu. Porque se somos recompensados após a morte pelo merecimento da vida que tivemos aqui, um cão sempre merece tudo de bom, pois não tem ego, não julga, não fala mal de ninguém, não se importa se a gente é pobre, rico, bonito, feio, velho, novo, gordo ou magro. Eles só amam. 

 

 

E eu tenho certeza absoluta de que aquela cachorrinha foi uma das criaturas que mais me amou nesse planeta. E uma das criaturas que mais amei. Engraçado... com poucas excessões, quando penso em criaturas que mais amo ou amei, a maioria delas foram/são cães ou gatos.

 

O olhar dela era puro. Às vezes estávamos no sofá - eu, ela e o Mootley, meu outro cãozinho que ficou por aqui - assistindo a filmes, e eu pegava ela me olhando do nada. E eu olhava para ela, e o olhar dela era amor puro. Ela esticava a pata, eu segurava a pata dela, ela cravava as unhas (mas sem machucar) na minha palma e ficávamos muito tempo assim. Isso acontecia sempre, ela me esticar a pata do nada, sem que eu sequer pedisse, e ficarmos de "mãos dadas."

 

Há uma semana acordei às três da amnhã escutando o cachorrinho da vizinha chorar. Estava preso do lado de fora do portão. De pijama, eu fui à rua e abri o portão para ele poder voltar para sua casa. Fiz tudo no maior silêncio. Ao voltar para casa, a Leona estava me esperando na varanda, em silêncio, preocupada comigo, como a me perguntar se estava tudo bem (foi inusitado que eu saísse de casa àquela hora). Olhei para ela, e antes de entrar em casa, eu disse: "Oi, querida. Pode ir dormir, está tudo bem." E dei um abraço nela. Ele virou as costas e voltou para sua casinha. Me senti tão protegida!

 

 

Eu e meu marido estávamos conversando sobre isso hoje. Ainda é tão difícil falarmos dela, mas sabemos que em breve, a dor vai passar e lembraremos apenas dos momentos felizes e engraçados. Será possível revermos as fotos e darmos risadas, como aconteceu meses após nossos Rottweillers morrerem.

 

E eu sei que muitos lerão este texto (se tiverem paciência) e dirão: "Nossa, todo esse drama por causa de um cachorro?" Com certeza, nunca conviveram com um, e se conviveram, nunca olharam nos olhos dele, nunca abriram seus corações para um deles. Mas esse "drama" é coisa minha, é um desabafo, uma maneira de me lembrar dela e agradecer. Não está sendo escrito para fazer sucesso ou receber comentários. Só quero deixar registrado que um dia, ela existiu, e que foi nossa, e que nos fez muito felizes, e que somos muito gratos e temos muitas saudades.

 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 28/08/2023
Reeditado em 29/08/2023
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