O "Eu" não existe

No primeiro momento eu não consegui prever o que seria falado, dado que não foi possível saber qual a abordagem ou escola da psicologia o professor seguia. Porém, ao longo da aula fui percebendo que tratava-se de uma "nova" abordagem, já que em sua abordagem ele estava fazendo uma exposição cronológica da psicanálise à psicologia transpessoal. Confesso que no primeiro momento tal "corrente" da psicologia era nova para mim, apesar do nome Abraham Maslow não ser novo para mim. Mas a utilização de eneagramas foi deveras curioso, então soube, desde então, que essa matéria seria interessante. Como filosofia e espiritualidade são temas que me interesso desde a tenra infância, desejava a partir daí que a conceituação e a exposição dessa nova abordagem não fugisse do método analógico no concernente às inter-relações entre psicologia, personalidade e a noção de eu para além do ego. Não me interessava mais ser um apologista das minhas abordagens e pensadores preferidos, eu no primeiro momento, só queria conhecer mais "sobre aquilo". Porém, ao longo da exposição fui suspeitando que a abordagem deixava a desejar no que concerne à especificidade nas definições das personalidades, mesmo quando a interpretamos como um espectro no que concerne a cada tipo. Não quero, pois, reivindicar uma abordagem próxima a sintomatologia da psiquiatria, pois sei que trata-se de conceitos por vezes metapsicológicos, e não de "dogmatismos patológicos" por definição, mesmo que a intensidade de determinados traços por vezes tornam-se negativos no sujeito quando não há consciência ou a procura de tal em relação aos conteúdos de ordem inconsciente com respeito ao complexo de Édipo, que envolve, também a "castração" e a sua interpretação diante dela, e não somente a interpretação da criança frente o "olhar" do Outro, isto é, o "desejo" (ou não) da mãe e/ou do pai. Não sei ao certo se a divisão em nove tipos parte de uma abordagem, a priori, teórica, ou se provém da prática clínica, como o vem a psicanálise. Como é exposto pelo próprio professor, o que é determinante na identificação da personalidade não é o que aconteceu na infância, mas como a criança interpreta o que aconteceu, apesar de uma coisa não ter sido dissociada da outra, apenas a nível de retórica. Pois o que acontece de fato é uma releitura como adulto (na condição ou na "posição" de adulto) do que venho a acontecer na infância para o "sujeito" "se comportar" assim, porém, a interpretação do que aconteceu é dita como diretamente ligada ao acontecimento, digo, a primeira emoção ou a "afetação" da criança é tida como sobredeterminada pelo acontecimento, que é gerada pela interpretação de como o Outro me ver, assim, a partir da "posição dos outros" o sujeito torna-se sujeito da condição e aprisiona-se nesse ciclo de sofrimento. Contudo, sintomaticamente não se produz nada a mais que sintoma e a "cadeia de significantes" é inacessível, senão, "análise intensiva ao longo dos anos". Como o mecanismo de defesa do recalque "aprisiona" o "conteúdo" no inconsciente logo após o "ocorrido", o sujeito tem agora consigo o acontecimento + uma interpretação pela capacidade de articulação linguística, sobretudo, semântica + uma posição temporal & a do sujeito na cadeia de significantes, pois o significante só é "significante" em relação aos outros, ou por outra, "o significante é o significante do Outro", o mundo. Portanto, há de ser por definição "representação" ad infinitum, representação do que "sou" e do que é o outro, ou melhor, o que o outro deseja de mim? Como é sabido, no outro há a "ausência" de significante e o desejo nunca cessa de se inscrever no "real", dado que também é "faltante" (-1), não é total e uno, é assimétrico. O sujeito é marcado e atravessado pela angústia por causa da linguagem, direciona-se sempre ao outro e ao objeto que sempre é objeto do seu desejo e o "desejo do seu objeto". O sujeito identifica-se ad infinitum com a alteridade que não é e com o objeto que sempre tem muito mais a dizer, mas que contumaz não diz nada ou nunca diz tudo; o sujeito é sempre mais do que deseja.

Como o nome do pai precisa estar fora da cadeia para significar, é por definição inalcançável. Como o sujeito depende de tal significante para nomear e para "se identificar", "nomear e identificar-se" é sempre uma operação em aberto, não total, não contínua, portanto, inexata e descontínua ou discreta. Nomear é por definição perder de vista o vazio entre o que se nomeia e o que nomeia, assim, também o é entre o nome do pai e o "desejo da mãe", o sujeito está entre o hiato ou o abismo do que "nomeia e o nomeia" e o que "prover e o provia". A grande mãe, a pulsão de vida e o Id. Tal energia (a psíquica ou a libido) direciona-se ao mundo externo regido por um maestro que não se sabe o nome e da qual a única certeza que se tem é "em ato", a da sua força prolífica e "ininterrupta". Desde a fundamentação da pulsão (com Freud), temos que a compreensão de sua totalidade é impossível, pois somos seres que vivem sem saber o que é o instinto em si (a sabemos apenas "pela linguagem") e seres para a morte que nunca experimentaram a morte. Ou seja, não há na psicanálise freudiana uma tentativa de engendrar o sujeito em uma narrativa per se da infância, haja vista, que toda a narrativa da psicanálise (principalmente no que se refere ao complexo de Édipo) é "mítica", portanto, alegórica, e não apofântica. Em Lacan é nítido que isso é levado até às últimas consequências, por isso uma das diferenciações é pôr a figura paterna e materna em termos de funções.

Dessarte, as narrativas não devem ser tomadas por si ou construídas por si, e sim a partir da clínica e de casos individuais à construção de um modelo que comporte fortes definições, que envolve ser geral o suficiente para abarcar as outras interpretações ou possíveis relações e derivações que serão feitas, mas que sejam suficientemente específicas para que abarque "essencialmente" todos os conceitos que está a se referir e que sejam suficientemente diferentes para que uma coisa seja uma coisa e a outra coisa seja outra coisa. Inobstante, é essencial que tais definições não gerem identificações generalizadas ou que seja confiável a inferência entre a identificação com o "objeto" e o que ele tem a dizer sobre o sujeito, assim como a "lembrança afetiva" da infância do sujeito com a sua atual "posição significante", pois esta não pode influenciar aquela, dado que lembrar é reelaborar na neurociência. Ademais, em termos de significante A não é igual a si mesmo, pois suas posições são diferentes, são no máximo equivalentes. Atendo-se que "A" pode ser calado por ser muito perfeccionista e o outro "A" por ser tímido ou o primeiro "A" procura a "perfeição" por não ter aceitado a assimetria do Outro ou por ter sido demasiadamente cobrado na infância e isso gerou um condicionamento por estímulo-resposta (ou hábito pelo reforçamento daquelas conexões neurais que tornaram-se uma via neural). Assim como o segundo pode ter medo do outro por não ter aceitado a castração e ser, assim, também ou não melancólico, como, por exemplo, uma menina que tem medo de meninos por se recordar da angústia que sentiu da mãe que "a castrou" por ter desejado "o falo". Ou por ter aceitado demasiadamente a lei do "pai" que sempre o cobrava mais, ou por ter se identificado em demasia com o "Pai", nestes casos, o medo seria muito mais da punição da lei "onipotente" e "onipresente" frente o humano demasiado humano ou do real que é contingente, isto é, ante a consciência do "ser sujeito", e não "Ideal Ich". Conquanto, ainda poderíamos ter a diferença entre o ideal do eu e o eu ideal.

Darach
Enviado por Darach em 19/08/2023
Código do texto: T7865093
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