"Odi profanum vulgus et arceo"
O ser é a decadência. Estado ininterrupto de modificação. Constância na inconstância. Ser no não ser, e não ser que é não-ser, pois daquilo que não é (a negação ou a negativa) não pode também ser o não não-é (a negação da negação ou a positiva), dito de outra forma, a determinidade do ser se dar no "indivisível" (ou essência) do "não-ser", que não o é em absolutidade. Ao contrário do que pensa Xenófanes, o uno não é completamente inerte, o que não implica dizer que o princípio norteador da ontologia seja o porquê do movimento, ou melhor, a resposta dada por Anaxágoras ao inquirir a si mesmo sobre tal questão, dado que a sua concepção do que é o ser estava muito mais próxima de um reducionismo naturalista do que de um princípio lógico-ontológico. É certo que o princípio da não contradição é questionável em termos lógicos, assim, o é a "contradição" entre o ser e o não ser de Parmênides. Porém, não o é quando se pensa que a valoração de uma dada sentença ou proposição não o é 'comportada' por uma outra lógica que não aquela que sustenta tal sistema (sic). Além disso, em filosofia, conceituar implica valorar uma determinada assertiva ou negativa, utilizando-se para isso das n derivações necessárias. Normalmente pensa-se em termos de silogismos para inferir a validade de determinado conceito, que se dá em afirmar ou não a validade da definição que se atribui a um determinado termo. Contudo, não é necessário sequer fazer (mesmo que não se declare) um silogismo hipotético, podemos simplesmente entenebrecer com elegantes sofismas e analogias, que se vistas de longe parecem ter mais do que tem. É o que faz Nietzsche no seu segundo livro, "A filosofia na era trágica dos gregos", prefaciando o que seria a "obra de arte" da sua vida. É indiscutível que a relutância de Parmênides frente às antinomias de Heráclito possuía mais razão do que as suas horrendas declarações sob a lente da lógica. Declarações tais como, "Nós somos e ao mesmo tempo não somos" e "Ser e não ser são o mesmo, e ao mesmo tempo o distinto". Frente a problemática filosófica, tais declarações estão a se referir a tudo o que é (como "dado") por empiria e tautologia, isto é, o mundo, e o que o originou, isto é, o ser. É nítido que no primeiro momento o mundo é uma realidade muita mais "óbvia", mas por "obviedade" não se tem certeza de muita coisa e como a filosofia se propõe a ser um exercício racional do pensar, a argumentação e a coerência deve ser o crivo de toda e qualquer investigação. Posto isto, como argumenta o próprio Nietzsche, se a representação é confiável, então a realidade é tal como ela nos parece ser. Dito de outra forma, se a representação da coisa é fidedigna a coisa mesma, então a percepção pelos nossos órgãos sensoriais não deturpam (ou não o suficiente) a realidade ou o "fenômeno" a ponto de haver um abismo entre o meu aparato cognitivo e o mundo. Assim sendo, os meus sentidos não me enganam na medida em que o meu aparato cognitivo não só permite "imprimir" em minha "consciência" a representação das coisas ou dos objetos, mas me permite a articulação frente a essas representações. Em contrapartida, temos o ser, que é tão real quanto tudo. Não podendo estar, assim, em uma posição clivada de sua verdadeira natureza, que é ato e "manifestação". É importante, por sua vez, destacar que o vocábulo "manifestação" aqui não tem o mesmo sentido que "devir", como completa negação da alteridade ou do ser, e sim de algo que é compreensível e claro.
O princípio da não contradição nos diz que A é A e não pode ser B, por sua vez, que B é B e não pode ser A. Por reflexividade temos que A é A e B é B, isto é, A tem a propriedade de ser igual ou pertencer a si mesmo e a mesma coisa vale para o B. Entretanto, Parmênides ao afirmar que "O ser é e não pode não ser, e o não-ser não é e não pode ser", está pondo como princípio de demarcação (ou "significante") tudo aquilo que não-é manifesto e o que é manifesto como a negação ou a contraposição do que não-é manifesto, daí o espanto daqueles que se aproximam muito mais do "vitalismo" do que do monismo e imobilismo de Parmênides. Contudo, o problema reside justamente em perceber que há um abismo entre o ser e o não-ser, dado que toda a realidade ou todo o existente é posto na posição da negação da causa primeira. Da mesma forma que em uma sentença não pode coexistir uma tese e a sua antítese sem que seja comprometida a sua relação com o referente, assim também o é a relação entre o que é (o manifesto) e a sua causa. Posto isto, a coerência entre a passagem do ser para o não-ser (como "obra") também se dá apenas no campo da semântica. O ser como o indivisível e a identidade é incorreto, no sentido em que a unidade não pressupõe identidade, a identidade é pressuposto como um princípio de estruturação de todas as coisas ou entes, ou melhor, como um princípio de conceituação. Daí o problema de declarar ou investigar as coisas em termos de não contradição e reflexividade, visto que, tudo é dividido entre a identidade e a sua negação. Sendo assim, a não-identidade está previamente determinada a nada ser em absolutidade, eis a sua aporia. Como pode vim o ser a originar a sua contraparte "em essência"? Pois na medida em que o ser dá origem a sua negação, esta não estaria sobredeterminada em relação a ele, visto que, as suas regras seriam outras e não o da sua negação (no referencial do não-ser). Ou seja, ela não estaria sujeita a determinação do ser. Assim, a sua identidade não pode ser determinada em relação aquela, pois as suas regras e princípios são distintos. Como poderíamos vim a conceber o nada? Seria possível pensar em nada? Como poderíamos conceituá-lo sem "desfazê-lo"? Sem perder de vista o objeto da conceituação? Há propostas tão absurdas quanto o conceito "panta rhei", me refiro a nadificação ou negação ininterrupta do ser em Sartre (ato ontológico). Pois enquanto há uma descontinuidade entre o que ainda não é (ou já não é, dado que o ser está em ininterrupta mudança) e o que será, há um abismo conceitual infinito 'no' "tempo-agora", isto é, entre as somas dos infinitos instantes que temos do fluxo do tempo. Como o próprio Sartre se refere quando fala do "homem absurdo" de Camus, "instantes incomunicáveis". Porém, não é possível com tal conceito (ato ontológico) explicar a pluralidade dos seres. De outro modo, o ser que nega a si continuamente para o ser o "ser-para-si", não o é nada ou nenhuma espécie de nada, apenas o estar para ser ad infinitum.
Segundo Anaxágoras, a partir de um ponto por "arbitrariedade" o ser cria tudo, o ser dá origem a tudo, como um arquiteto. Tal ato seria por liberdade, dado as opções. Assim, a pluralidade de tudo que está em tudo existe por causa do nous. E o nous ordena e harmoniza toda a "existência". Contudo, apesar do nous interagir com as "sementes" ao formar o mundo, ele não o faz após e tampouco semelhante a ela o é, assim, a pergunta que o Spinoza faz no "Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar" ainda continua válida. Parafraseando-o, como pode uma substância gerar outra que não seja igual a si? Portanto, assim como os eleatas, Anaxágoras não consegue conceituar adequadamente a causa efficiens e, por sua vez, a causa finalis. Assim sendo, apesar das "homeomerias" serem as precursoras do atomismo. Compreendê-las para compreender a origem das coisas e como elas funcionam não é suficiente para determinar a finalidade dos seres. Logo, o intelecto não é suficiente para o ser inscrever-se adequadamente (como deveria-se) no mundo, pois afirmar-se no não-ser é tão absurdo quanto o próprio. Para Nietzsche o trágico diferente do pessimista afirma-se ante a realidade. A aceita como tal, isto é, desarmônica. Reafirmar-se frente a face da contingência e do desamparo é reafirmar-se na estética, na experiência com a arte, no que é grandioso e forte. Como sugere o próprio Nietzsche, este caminho é pela via da estética, e não da lógica, mas como é bem sabido, pela lógica o mundo seria fundamentalmente negativo, assim o sendo, por quais meios tal experiência se daria? E como já foi investigado por mim e outros autores, aí reside o grande tropeço de Nietzsche, no conceito de Übermensch. Destarte, a força de Péricles não era tão gloriosa como pensava Nietzsche, ela era manca.