Se, pois, a lembrança fosse...

Se desaparecesse esta manhã todos os meus lampejos pesarosos do passado, convencer-me-ia de que este dia não seria apenas um deste lúgubre ano que iniciou. Se então, nesta manhã que me carrega a alma de meus sonhos mais esquecidos eu sentisse a inspiração da vida, pensaria, em seguida, que o dia seria proveitoso em alguma de suas infinitas horas assim que cessasse esta chuva.

Se apenas após os cantos destes pássaros fizessem-me crer que a melodia de cada som fosse uma tentativa que o universo faz para guiar-me, deixaria aquilo que meus pensamentos recriam sempre que estas pobres folhas caem a murchar e diria que ele, em sua imensidão, supera-se em cada tentativa.

Mas sei que a vida é saudosista demais para me deixar esquecer, sei que em cada toque é necessário lembrar que já houve algo como aquilo que causou uma ascensão aos céus. Em um momento, as lembranças paralisam-te pois é bem fácil viver preso aos arrependimentos desnecessários e tentativas falhas, contudo, entendamos apenas que estas acontecem. As decisões não param de ser tomadas e compreendendo-as, sabemos que sofreremos por todas que um dia o universo tomou e está tudo bem. Porque nós um dia tomamos.

Se ao menos esta terra convidasse-me para um chá, dir-lhe-ia que por anos desejei fazer parte dela, sendo como sementes em seu interior antes de germinar a planta. E que se por sua vontade permitisse, escolheria ser uma roseira, convencida de exibir cada espinho com seu formato, seu tamanho... Seu motivo.

Se por minha sorte o ponto mais alto de uma montanha fosse meu lar, saberia eu que sozinha em um instante ou outro a Loucura visitar-me-ia, trazendo consigo todas as mesmas teorias para duelar outra vez com minha sanidade e sendo assim, ficar mais perto de mim, pois, lembranças em excesso sempre foram á ela um convite.

Mas sei que ela, por sua vez, quer alertar-me de que em certas ocasiões é bom deixar as sandices darem um ar mais desprovido de realidade, porções de disparidades misturadas ás cores que a loucura mesmo traz: Ah, o que ela não me impulsiona a fazer em tempos tão tristes feito estes, onde acinzentados são os olhos de pessoas que um dia sonharam tão alto, regozijaram ou sangraram por motivos tão fortes quanto os meus.

Se por um instante soubesse o que viria após cada desígnio antes mesmo de escolhê- lo, escolheria mesmo assim? A vida prega muitas peças, é um jogo, e ao final você não se lembra de quem foi a última carta porque com o tempo, ela acaba mostrando- se menos apetitosa e você deve decidir o que fazer assim que percebe. Certas ilusões ocupam muito espaço na memória e é preciso vivenciar experiências insólitas ás anteriores, pois, o afogamento memorial é o primeiro passo para um real.