Extemporânea - Ficção de interlúdio

"Um texto para todos e para ninguém"

"Eu olho para trás quando vejo o futuro"

Quando passou a primavera do cristianismo, a maior religião do mundo, e entramos em seu outono, nos vimos perdidos numa ruína de crenças e esperanças supra-terrestres destroçadas, tábuas de valores que não sabíamos o que fazer delas. Muitos disseram que a ruína viera por causa do cristianismo, e por muito tempo fui iludido por esta mentira, por muito tempo alimentei esta crença, que, assim como acreditei em deus, também deixei de crer, isto é, sem nenhuma razão...

Mas o que hoje se revela verdade, é que não fora o cristianismo a causa da ruína, fora o seu fim, sua passagem deixou uma angústia no vácuo do mundo. Nos vimos abandonados de todos os nossos sonhos celestiais, nossa alma desertificou-se, ficamos cheios de sede na alma, ansiosos por aquele paraíso imperecível. Foi deste saudosismo que nasceu o romantismo, os românticos delirantes de mundos impossíveis, os quais eu também já representei e, por pouco, quase me matei. Pois bem, isto teve seu tempo...

Entramos no inverno cristão, aquele que os reminiscentes acreditam ser o fim e o cumprimento da profecia, inicia-se uma nova Era, empobrecida, ainda esgotada pelo antigo modelo religioso que nos legou a mentirosa política democrática que desmorona diante de nossos olhos. Uma Era que trará a morte de tudo aquilo que o cristianismo fundamentou, ou seja, é inevitável, através de seu fim todo o sistema desmoronará, pois é em valores cristãos que nossa política se sustenta...

Por enquanto o que salta aos olhos é a ausência de sentido que a ciência cavou na alma, o cheiro de morte que ressoa do sepulcro de deus - "Deus morreu" - e fomos nós que o matamos, assim como nos mataremos se não transvalorarmos nossos antigos valores. Por isso sentimos saudade de um lugar que nunca vimos. A alma quer criar... Compreendem?

Porém, a vida segue. Temos de seguir adiante. Muitas auroras ainda esperam por brilhar, muitos mundos potencialmente existentes esperando para serem criados, novos deuses e mitos a serem sonhados. Este é o acontecimento dos séculos, o espetáculo dos espetáculos. O que haveria para ser criado se aquele deus ainda existisse? Estávamos de vontade amarrada ao seu credo, ajoelhados diante do sacerdote que, ironicamente, nos fazia crer que era apenas porta-voz da divindade. A alma está liberta, o horizonte infinito nos chama, o espírito cativo está livre para narrar sua própria história e criar sua obra. Não é isto a Boa-nova, amigos(as) aventureiros(as)? Que nos importa o reducionismo maquínico-biológico no qual se reduziu a sociedade! Tudo é fruto de uma mesma árvore, não se enganem. Ciência e religião são faces da mesma moeda. O ideal é o mesmo. Somente nós temos os sentidos abertos para a Boa-nova! Somente nós temos os ouvidos para esta bela música! Somente nós temos olhos para ver o que ninguém viu. Ainda é cedo, o povo dorme. Deixemos que cochilem. Irão acordar assim que começar as catástrofes....

A morte (o vazio) é a lacuna que a vida abriu para que possamos criar nossa própria eternidade. Narrar é preciso, viver é consequência - "Deus morreu", agora é o Homem que deve "morrer"...

Compreendem estas palavras?...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 21/07/2023
Reeditado em 21/07/2023
Código do texto: T7842700
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