Extemporânea - Ficção de interlúdio II

"Um texto para todos e para ninguém"

Dionísio está vindo...

Não vêem os sinais espalhados pelos quatro cantos do mundo? O lado feminino da psique emancipa-se, o patriarcado vai cair...

Dionísio está renascendo para tomar seu lugar no mundo, o jaudaico-cristianismo vai desabar, já desabou, o sátiro já se faz ouvir no silêncio dos corações. Platão preparou o terreno para a alma cristã, e nós, filhos de Zaratustra, estamos aqui para expurgá-la. A alma pede mais, conceitos e crenças desvitalizantes não a satisfazem...

Dionísio contra o crucificado?

Ah, quantos não se confundirão com a polissimia de minhas palavras! Quantos vão me crucificar! Porque amam crucificações. Quantos, ainda ignorantes da gnose, vão me interpretar segundo vosso exoterismo! Pois que assim seja, eu também quero brincar de sonhar! Mergulhei profundamente na ficção, e por meio da mentira de milênios eu falo em linguagem figurada: - O homem ressurreto é uma farsa, e nós, os loucos endiabrados de arte, estamos aqui para velar uma última vez a "morte do Deus" - cristão...

Abram os ouvidos da alma, pois o que vós hei dizer não pode ser compreendido pela razão... somente a vivência vós revelerá à verdade do coração...

A busca do humano pela "verdade" nominou a alma, conceitualizando-a num reducionismo pelo qual rebaixou a esfera psicofeminina da realidade, levando ao sufocamento da consciência dionisíaca das emoções, dos instintos, rebaixando a terra ao mundo sombrio que devia ser evitado em nome do céu, isto é, do Homem, ou melhor - do sacerdote.

Mulheres, eu vos chamo a atenção para que reflitam sobre essa terrível religião que trancafiou a alma do mundo no abismo. Vós sempre foram temidas pelos Homens, e por isso lhes trancafiaram na cela da submissão, porque possuem a volúpia em vossos corpos, e os Homens temem a vida que vêm da terra, ainda que vivam por causa desta terra, esse caluniadores.

Façamos a guerra! Indiretamente. Não vencemos no terreno do inimigo. Larguem a razão. Sigam vossos corações. A Arte é o caminho. O coração é a meta. Estão com medo? O que temem já morreu, minhas criatura aladas. Vossa luta é justa... Eu estou com vós

...

Hoje, em que sou a consciência da História examinando a própria consciência ocidental, vejo-me diminuído no meu aspecto vital, nominalmente constituído por ideias sem vitalidade, em busca de minha outra metade - a musa que me tiraram antes mesmo de nascer, a pátria de todos os mitos, a consciência que abarca toda a realidade...

Nós, filósofos, nos tornamos seres postiços, vivemos como bonecos sem vida, do qual retiraram a vida, somos o Pinóquio que não sabe mais mentir... um simples enfeite na prateleira de "Deus"...

Nós, filhos da Europa, representantes da consciência coletiva, somos todos neuróticos...

Por isso eu vos desejo como aliadas nesta luta espiritual, de vós transborda uma sensibilidade que nós homens perdemos, que talvez nunca tivemos... Salvem o homem do Homem, e o homem poderá renascer para receber a nova mulher que está nascendo... Não vivemos um sem o outro, os opostos se atraem e complementam-se. Mas até hoje tal junção nunca aconteceu. Ouçam os sinais - a figura do andrógino é a imagem mitológica da união dos opostos que está por vir em escala global.

Oh, pelos deuses que não creio, onde iremos parar! Esta impaciência me consome. Minha alma vive na mansão do amanhã. Confiem! a vossa hora há de chegar. E quando chegar, não cometam o mesmo erro do "Homem", não criem uma humanidade "Mulher", a divisão mata o poder transfigurador da vida...

- O quê? Tu tremes, Coração, com minhas palavras? Tremeria ainda mais se soubesse para onde hei de levá-lo...

A loucura espreita, Dionísio estremece o abismo; estou ambaralhando as cartas, troquei o baralho pelo Tarô; eu desmembro o consciente para abrir os fluxos vitais da linguagem mitopoética. Não sei onde isso vai dar... sigo em frente; sim, eu vejo, já começo a criar uma nova forma de almar as palavras - sou ambivalência existencial: homem-mulher, deus-diabo, luz-treva, céu-inferno, interno-externo, crente-descrente... Destruí as conjunções, não existe "e" que me separe do mundo...

Oh, mulheres, os papéis se inverteram, salvem o herói no homem! Ajudem-nos a matar o último Homem, para salvar no Homem, o homem! Salvem a criança prenhe de criar...

Façamos guerra ao patriarcado, expiemos do mundo essa psicologia monoteísta que vos escravizaram! Nós, os artistas, somos sua melhor arma, e vós sois para nós a melhor aliada, pois o homem está dormindo no seu trono celestial. Eu vos convido a entrar na ficção - "Deus morreu", agora é o Homem que deve "morrer"? Compreendem estas palavras?

Cuidado! Não vos deixais iludir. Palavras são feitiçarias. Sonhemos sem ilusões...

Crer é ilusão. Não crer é inútil. Compreendem?...

Sonhar é preciso, viver é consequência...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 21/07/2023
Reeditado em 25/07/2023
Código do texto: T7842680
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