Desculpe a si mesmo

Você já experimentou o sentimento da culpa? Como foi essa experiência? Pense aí, consigo mesmo, sobre as sensações que você experimentou ao se sentir culpado. Seja porque falou alto com alguém se utilizando de palavras grosseiras, seja porque se esqueceu de parabenizar um amigo querido pelo seu aniversário, seja porque deixou de fazer algo que em muito lhe agradava e, por consequência, acabou perdendo uma oportunidade única que, na sua concepção, dificilmente poderá se repetir. A culpa é um sentimento que costumamos designar como desagradável. Mas a verdade é que os sentimentos são o que são, sem essa de bons ou maus. A questão é como iremos lidar com esses sentimentos, se de forma saudável ou de maneira distorcida.

No que concerne à culpa, é impensável um mundo sem ela. Porque talvez seja por experimentarmos culpa que, então, evitamos de sair por aí agredindo a qualquer um que discorde de nós. Acredito que a culpa sirva também como uma espécie de gestor social, é por sentimos culpa que não enchemos nossos carrinhos no supermercado e saímos desesperados, despistando seguranças, ignorando os gritos exigentes pelo pagamento. É pela culpa também que retrocedemos em nossos passos e pedimos perdão a alguém que nos é especial e, assim, evitamos de perdê-lo das nossas vidas. É por sentirmos culpa que entramos em contato com a nossa humanidade e exercemos a que entendo como sendo uma das mais nobres atitudes humanas: reconhecendo nosso erro, procuramos pelo perdão.

O problema acontece quando, mesmo sem culpa por determinadas coisas que acontecem na nossa vida, nos culpabilizamos e condenamos por aquilo que pouco ou nada dependia da nossa vontade. É como se vivêssemos numa espécie de tormento por saber que poderíamos sofrer algum tipo de condenação seja lá pelo que for, e, então, antecipamos nossas dores e assumimos a responsabilidade por coisas que não estão sob nosso controle. Nessas horas precisamos respirar. Essa é uma culpa infecunda, que nada de bom nos agrega, que apenas nos faz sofrer e viver condicionados a tantos “deverias”. Muitos desses deverias foram apreendidos durante nossa história de vida porque ouvíamos que deveríamos agir assim ou pensar assado, quando que, na verdade, deveríamos apenas ser livres para sermos nós mesmos e crescer em nossa direção. Você não deveria agradar a todos nem fazer o que todos esperam de você, deve apenas compreender qual é o sentido que gostaria de atribuir à sua própria vida e, então, pensar em escolhas que o concretizassem.

Use a culpa a seu favor. Que ela sirva como um motor de transformação. Que ela o inspire a agir de maneiras diferentes ao longo da sua vida sempre com disposição por conceder perdão a si mesmo, pelas vezes nas quais se negligenciou e, abrindo mão do seu direito de escolher, permitiu que definissem sua vida por você. Perdão, ainda, aos outros, tendo em mente que todos os seres humanos estão suscetíveis às falhas e aos equívocos, de maneira que, hoje, foi um amigo que errou com você, mas amanhã poderá ser você na posição de erro, não gostaria de ser compreendido e perdoado? Que a culpa, ou a possibilidade de sermos confrontado por ela, nos encoraje a, acima de tudo, buscar pelo perdão quando ele for tudo o que precisarmos para que nossas histórias sigam por cenários melhores, sejam preenchidas por enredos mais bonitos: enredos de recomeços e reconciliações, ou mesmo de novidades e transformações – enredos que nos façam todos os dias experimentar do prazer que é existir!

(Texto de @Amilton.Jnior, psicólogo)

Importante: Para a escrita dessa reflexão eu me inspirei no capítulo 03 do livro Dialogar com a Ansiedade, de Ênio Brito Pinto.