Mil Convites
Era dezembro de 2022 e eu fui convidado para participar de uma entrevista de emprego. Eu ainda não sabia, mas um novo cargo não era a única coisa que entraria em jogo a partir desse evento.
2022 fora um ano difícil. Tive o desprazer de ser demitido em março, de um emprego estável, após quase uma década de muito trabalho e dedicação. Pouco tempo depois, num domingo de sol, tive uma das conversas mais duras da minha história recente. Minha companheira na época decidira partir sem me dar muitas respostas do porquê. Nesse momento me vi fragilizado, entendendo que raízes sólidas e profundas também se rompem. Dessa forma tive uma prova definitiva do quão instavel é a nossa existência e como é fácil tudo desmoronar.
Preciso ser honesto, fiquei alguns dias bastante triste e melancólico. Todas as minhas certezas caíram por terra e eu não sabia exatamente no que me apoiar. Mas bem, eu já tinha meus 28 anos e nessas quase três décadas passei por situações parecidas, não estava vivendo exatamente uma novidade.
Em maio comecei um novo emprego, trabalhando remotamente descobri amizades incríveis, cuja distância não as tornara menos dignas e divertidas. Pouco a pouco eu evoluía no novo trabalho e começava a me destacar. Além de meus gestores internos, o mercado de trabalho também notava essa evolução, me seduzia constantemente e eu sempre o respondia da mesma forma:
"Agradeço, mas no momento estou focado em meu projeto atual."
Bem, os meses passavam e cada vez mais eu me sentia confortável e realizado com meu trabalho, mas a outra "ponta" que soltara ainda não havia sido resolvida. Naquela época eu acreditava fortemente que precisava encontrar alguém. Sair, conhecer pessoas, me apaixonar. De fato conheci algumas meninas, mas a cada novo encontro a frustração de não sentir absolutamente nada por ninguém me deixava um pouco mais desacreditado num final feliz nesse contexto.
A uma certa altura do ano eu literalmente decidi desistir de procurar. Na época fez sentido achar que não era o tipo de coisa que se encontraria de forma planejada. Passei a acreditar que se um dia conhecesse alguém especial, seria num processo natural, que teria como plano de fundo alguma tarefa cotidiana, nada de encontros arranjados e intencionais.
Então chegou dezembro, o derradeiro mês daquele ano. Além do natal maravilhoso que passei com a minha família, a fatídica entrevista de emprego mexeu comigo naquele momento. Não só pela oferta do maior cargo que eu já ocupara na vida, ou do salário altamente atrativo. Após a entrevista, que sucedeu de forma excelente, me fizeram a tal oferta e eu pedi alguns dias pra pensar. Conversei com minha família e amigos e apesar de opiniões divergentes, decidi aceitar o cargo. O que mais me atraía naquele momento era a chance de voltar a trabalhar presencialmente e fazer novos amigos, coisa que sempre considerei fundamental.
2023 começou e logo na primeira semana eu já havia me apresentado ao time. É impressionante como fui bem recebido. Me senti em casa instantaneamente. Eu tinha a impressão que as pessoas me respeitavam de uma forma diferente, como se eu fosse alguém mais importante do que me considerava. Essa impressão se confirmou, nos gestos e conversas que tive na sequência dos dias.
Nesse ambiente, uma coisa aconteceu sem que eu planejasse. Talvez até sem que eu quisesse. Dentre todos os colegas, uma menina mexeu comigo. Não "mexeu" num sentido de provocar, mas em sua forma de ser. Ela era delicada, feminina, tinha uma voz doce e alegre. Bem humorada e sarrista.
Além claro de ser linda e sorrir com os olhos, de uma forma única e especial. Ela se senta exatamente na minha frente e eu tenho uma visão privilegiada do seu lindo sorriso.
No primeiro dia de trabalho meus amigos me perguntaram como estava sendo. Eu expus tudo que estava acontecendo, feliz, além de contar sobre a graça dessa menina. Eu não sabia ainda, mas essa fagulha de sentimento que se instalou em mim naquele dia cresceria muito com o passar do meses, a medida que eu a conhecia melhor.
Ela não era o tipo de pessoa que dá bola pra qualquer um. Ela era desconfiada, tinha os dois pés atrás, muito cuidadosa e prudente. Às vezes eu chegava a ficar triste, achando que ela nunca me daria bola, que eu nunca teria a chance de me aproximar. Mas felizmente eu estava equivocado.
Os meses se passaram, uns 5 ou 6, mais ou menos. A essa altura já havíamos trocado alguns vídeos e mensagens no WhatsApp. Nada muito prolongado, somente coisas pontuais, mas essas pequenas doses dela tinham o poder de me deixar extremamente feliz. Conversar com ela era como provar algo delicioso pela primeira vez, eu nunca havia tido um sentimento tão "gratuito" por alguém. Ela só precisou ser ela, sem falar uma única palavra, pra que eu quisesse me aproximar. Quando então começamos a conversar regularmente, eu tinha a certeza que era ela, a pessoa especial que um dia eu conheceria.
Apesar de todo êxtase por começar a me aproximar dela, obviamente as coisas não sucederam de forma tão simples. Ressabiada como era, se esquivava com rara habilidade de minhas frustradas propostas de um encontro. O mais engraçado é que eu me senti como se voltasse a ter 15 anos. Os sentimentos em relação a ela eram inocentes e doces. Em resumo, a única coisa que eu queria era a proximidade, dividir uma refeição, rir, contar histórias... A única coisa que me interessava era sua companhia.
Um a um, todos os meus convites foram recusados. Eu a chamei pra ir comigo a um restaurante italiano, cinema, viagens, docerias, lanchonetes, e eu sempre recebia a mesma resposta, "ainda não". Ela me tinha em suas mãos, não permitira que nosso encontro acontecesse, mas também não me dava um fora. Eu ficava confuso, não sabia se deveria mandar mensagem no dia seguinte ou se era melhor deixar as coisas esfriarem. Quando eu desistia, ela me notificava, e assim, pouco a pouco as conversas foram ficando mais longas e interessantes.
Mas nem tudo são flores e nem toda história tem um final feliz, não é mesmo?
Hoje eu escrevo essas palavras ainda preso em sua teia. Não rolou o tal encontro, nem o derradeiro fora. Um a um, meus mil convites foram recusados e eu já me vejo por vezes incapaz de fazer o convite mil e um. Não quero ser inconveniente, preciso deixá-la seguir o que ela julga correto nesse momento de sua vida. Quem sabe um dia eu tenha uma parte 2 pra escrever sobre isso, podendo incluir um desfecho mais feliz. Por ora, contento-me com a alegria de dividirmos o ambiente de trabalho. Ela se senta exatamente na minha frente e eu tenho uma visão privilegiada do seu lindo sorriso.