GOSTO DE CONVERSAR COMIGO
A solidão do imenso mar a conversar somente com o céu
Invejo-o
Quem amaria hoje as horas do silêncio em que [nelas] não se ouve nada?
Chamam-me de doido porque converso sozinho
Não estou nem aí para o que de mim dizem
Na verdade, não converso sozinho
Dialogo comigo, eis o qu’eu faço [praticamente o tempo todo]
No qu’eu faço em meus solilóquios
E, deste modo, gosto de falar comigo
E, sobretudo, de me ouvir
Mas sempre (ou se puder) ... sozinho
Não sou um anacoreta
Nem quero ser
No que não me afasto do convívio social
Não para sempre (jamais)
Mas chega a ser incrível o paradoxo dos solitários dentro da multidão
A multidão parece um caótico mercado dos centros urbanos
Barulhentos por demais
Um falatório misturado com gritos de todo lado
Entre frivolidades, preocupações inúteis, maledicências, ofensas,
difamações, vulgaridades, fofocas, falar da vida dos outros ...
Mas, o que conversa quase todo mundo que não sejam ecos de vozes alheias?
A se afirmar sem nenhuma dúvida que ninguém é “original” [no que fala]
Suas bocas proferem discursos que não são deles
E os repetem como papagaios
No que apoiam suas vidas na palavra d’outrem
E quase todos são falsos
E, portanto, perigosos
No que lisonjeiam pela frente
E basta dar-lhes as costas para que nos desonrem com mil injúrias
E esta minha reflexão eu faço sozinho ...
Oh! Chamam-me de doido porque converso sozinho
Na verdade, não converso sozinho
Dialogo comigo
Gosto de falar comigo
Gosto de me ouvir
Carlos Renoir
Rio de Janeiro, 16 de junho de 2023
ILUSTRAÇÃO: FOTO PARTICULAR