SINTO CULPA
De ter nascido, talvez. De respirar ar puro e ar tóxico. De andar, de correr, e de me sentar para descansar. De sorrir, de gargalhar, e da tristeza que me corrói por dentro sem lágrimas por fora. De falar, de beijar, e de ficar em silêncio mesmo quando não há nada a ser dito. De nunca ter sofrido o que muitos já sofreram, e de sofrer o que eu julgo ser sofrimento. Sinto essa culpa, ou um sentimento tão aterrorizante que me deixa exausto quando olho para trás, quando olho para os lados e também para frente. Um sentimento tão difícil de engolir que me causa dores do peito, que tira meu sono de madrugada, que me faz pensar na existência. Minha existência. Por isso, sinto culpa. De pensar o que penso e não pensar o que poderia ter pensado se não estivesse ocupado sendo quem sou. E que culpa eu teria, senão das decisões, das vidas que poderia ter tido, das ruínas que empilhei por trás da cabeça que carrego, do corpo tão pesado quanto essa dor que me arrasta aonde vou? Que ruminação é essa, que cresce e cresce e cresce e se torna possível vê-la a cada palavra que solto, a cada chão que piso, a cada mão que toco, a cada espirro ou tosse? Que dor é essa que não me faz chorar, mas me cala e me enfraquece, me puxa e me deita, me cansa e me cansa ainda mais? E no final do dia eu me desculpo ao meu próprio reflexo, mas não acredito em minha sinceridade.
Sinto culpa. Como a culpa de ter quebrado um copo, mas no meu caso eu quebrei cada vida a qual encostei. E a minha própria.