Palavras para se vestir
A felicidade não se veste de pomposos trajes de nobreza. Ela tem a roupa surrada de simplicidade. Uma roupa que só toca a pele se sentida em seus detalhes: as companhias, os momentos, os olhares, os cheiros, os sabores, os sons…
Tudo isso veste a felicidade. Mas são linhas que o tecido, sujo e amassado de dias sofridos, não deixa à vista. Não há como separar apenas as boas linhas - se não toda roupa se desfaz. E é preciso se vestir, como ensina a pérola para a ostra triste de Rubem Alves.
A roupa vai sendo tecida de escolha em escolha. A cada momento em que é experimentada, a sensação pode ser horrível, maravilhosa ou mesmo imperceptível. E em todas as ocasiões, busca-se, tímida ou expansivamente, costurar a felicidade. Às vezes, no entanto, o tecido é duro demais e a agulha quase não o perpassa.
Em todo o caso, na noite dorme o amanhã e a água que refresca também pode afogar. Os contrários coabitam - melhor, fazem um do outro a sua casa. O traje comum do dia a dia alegra e faz chorar. As linhas dos prazeres e das dores se entrelaçam no mesmo tecido. Mas não há como seguir nu na vida.
Talvez a questão esteja no tamanho do olhar que contempla as velhas roupas cotidianas - talvez seja preciso alargá-lo para que perceba, além das sujeiras que não devem ser desprezadas, a beleza dos detalhes. Afinal, são nossas roupas.