Por que o amor dói?

Dor e amor talvez pareçam duas palavras que, apesar de rimarem, não combinam em seus distintos significados. Como colocar o amor e a dor em uma mesma frase? O amor não é aquele sentimento gostoso, agradável, cheio de prazeres e delícias? E não é a dor aquele sentimento incômodo, paralisante, repleto de desesperanças e desgostos? Então como poderia o amor doer? Se doer, então não é amor. Mas eu penso o contrário. É se não doer que não existe amor. Porque por amar, mudamos. E a mudança é dolorosa.

Pois amar alguém, seja ele nosso marido, nossa esposa, nosso pai, nossa irmã ou nosso amigo, envolve anular a nós mesmos, nosso orgulho, nosso egoísmo e nossos mesquinhos desejos para que o outro se faça notar e prevalecer. Amar alguém exige de nós que consigamos transcender a nós mesmos, ou seja, superar a nossa individualidade afim de alcançar a alteridade, isto é, a singularidade, daquele que diante de nós, a quem dizemos direcionar toda a energia de nosso mais nobre sentimento. Mas anular a nós mesmos, silenciar a nós mesmos e diminuir a nós mesmos para que, então, possamos ouvir o outro, entender o outro e enxergar o outro, é desafiador demais dentro de uma sociedade cada vez mais individualista, formada por pessoas focadas cada vez mais em si mesmas – pessoas que ignoram o fato de que para existirmos, dependemos de alguém que nos diga que existimos, precisamos do outro.

Por isso que o amor dói. Porque lutaremos contra nós mesmos, nosso ego por vezes inflado, nosso orgulho por vezes soberbo. Teremos que reconhecer nossos erros e pedir desculpas. Teremos que abaixar a cabeça e retroceder em nossos passos. Porque, se amamos realmente alguém, então doerá saber que, por nossa causa, por palavras mal pronunciadas ou gestos mal demonstrados, não teremos a chance de compartilharmos da sua existência. E isso será doloroso demais. Será doloroso demais saber que, tendo a chance de mantermos ao nosso lado o dono de nossos mais sinceros sentimentos, simplesmente a desperdiçamos por termos sido arrogantes, ignorantes ou mesquinhos.

O amor dói, então, porque teremos que evoluir e amadurecer um pouquinho todos os dias para que o nosso encontro com o outro seja genuíno e enriquecedor. Um encontro que não seja um mero meio para um fim. Mas que seja o fim em si: o fim da nossa felicidade, do nosso prazer, da satisfação por não apenas termos, mas sentirmos aquele amor que por alguém compactuamos. E crescer dói. Porque quando éramos crianças e, então, um belo dia, nos pegamos sendo adolescentes, doeu: não poderíamos mais contar com a segurança dos pais eternamente, deveríamos ter que andar por nossas próprias pernas. Mas, então, adolescentes, quando vimos a vida adulta se aproximar, sentimos a dor de saber que amigos queridos, com os quais compartilhamos os últimos anos da escola, seriam simplesmente distanciados de nós e teríamos que seguir sem eles. E, então, quando adultos, envelhecendo, sentimos o amargor de saber que a vida passa para todos, inclusive a nós mesmos. Então crescer dói. Se para amar precisamos crescer (que é evoluir e amadurecer), portanto amar dói, porque precisaremos abrir mão de coisas que eram, sim, importantes, para não precisarmos abrir mão de algo ainda mais valioso: o afeto daquele que em nosso coração conquistou morada.

Mas o amor também dói pelo fato de que acaba. E não me refiro aqui aos términos que nós mesmos colocamos com as nossas mãos, términos por vezes necessários para que as boas memórias não sejam destruídas, términos que também machucam. Refiro-me aos términos da vida. Quando ela coloca o ponto final sem nos consultar. Quando aquele que amamos, infelizmente, parte do mundo, deixa a nossa história e vai morar em outro lugar, um que não sabemos onde fica nem como fazer para chegar. É doloroso e é angustiante. E nos mostra o quanto dor e amor podem participar de uma mesma sentença sem que isso pareça estranho ou extraordinário. O importante, nesse caso, são as construções que fizemos ao longo da vida: lembranças de amor que servirão de consolo na hora que a dor arder.

Seja como for, o amor dói. Mas arrisco dizer que o único remédio para interessante dor é simplesmente amar!

(Texto de @Amilton.Jnior)