SERÁ QU’ESTOU FAZENDO PAPEL DE BOBO?
Será qu’estou fazendo papel de bobo?
Preocupo-me com a vida de gente
que não se preocupa
com a própria vida
Pessoas que comigo vivem, conversam, esbarram, rodeiam-me
E comigo se relacionam ... convivem
E qu’eu, portanto, conheço
E qu’encontro co’elas todos os dias
Quero ajudar pessoas
que não se ajudam
Da verdade [a ser sabida] de que
nem querem ser ... ajudadas
Sou como aquele banco da praça vazio ... (sem ninguém)
A contemplar um bando de miseráveis e infelizes
A vê-los à minha frente passar
E como n’uma procissão de desesperados caminham
Almas cansadas ... e gastas
Insatisfeitas ... e áridas
Consumidas ... e estragadas
Indefinidas ... e desfocadas
Perdidas
Ausentes de vida
Ou, quem sabe, por ela – a própria vida ou talvez pela morte – vencidas
Afastadas de si mesmas (inexistentes)
Esgotadas
Oh! Como eu queria tanto ajudá-las!
Como eu queria dar [a todas] descanso!
Mas [elas] se recusam ...
Bússolas quebradas
Sem ponteiros
Desnorteadas
Vão par’onde não devem
E seguem ... desviadas
Filhos pródigos
Doí-me ver o quanto estão perdidas ... extraviadas
Preocupo-me com a vida de gente
que não se preocupa
com a própria vida
É verdade
E quando a eles me dirijo
eis que me dizem [com raiva]:
- Cuide de sua vida!
Pois é!
Mas por que eu faço isto?
Por que assim sou?
Talvez porque eu as amo, sei lá!
Porque me importo muito... co’elas
Sim, elas são importantes para mim
Oh! Talvez esteja [eu] a fazer papel de bobo,
preocupando-me demasiadamente com a vida
de pessoas que não se preocupam
com suas próprias ... vidas
Contudo, confesso que este meu sentimento
(a ser e a me causar também um grande sofrimento)
e que muitas vezes chega a ser inquietante
(a me trazer tanta agonia)
não está em mim
Ou será que está?
Preocupo-me, é verdade,
com vidas que não se preocupam
com suas próprias e ... “mortas vidas”
Será qu’estou fazendo papel de bobo?
Contudo ...
E como seria minha vida se co’elas não me preocupasse?
Não seria, talvez, uma vida sem sentido ou vazia
como às dos “ególatras” que não se preocupam com a vida
de ninguém e nem de si próprios?
Já que os egocêntricos não se amam
(ainda que excessivamente ... se adoram)!
Ah! engana-se quem acredita que o egoísta se ama
Não é amor o que ele tem por ele mesmo
Não é mesmo
Nunca foi
Mas, deixa quieto!
E então ...
Será qu’estou fazendo papel de bobo?
Não sei
Confesso que não sei
Carlos Renoir
Rio de Janeiro, 06 de junho de 2023
ILUSTRAÇÃO: FOTO PESSOAL