O desamparo da evolução – Charles Darwin
O naturalista, geólogo e biólogo Charles Darwin (1809 – 1882) escreveu vários livros, mas o seu livro mais importante e impactante na cultura ocidental foi “A origem das espécies” publicado em 1859. Por que este livro de biologia causou tanto impacto filosófico na cultura ocidental?
Ele, Charles Darwin, propõe uma nova visão de como a vida humana, animal ou vegetal deve ser explicada, ou seja, uma visão científica sobre qualquer forma existente de vida. Compreender a vida a partir de um fenômeno evolutivo em que todas as formas viventes do presente são herdeiras de formas de vidas do passado, ou seja, tudo que é vivo tem uma ancestralidade biológica.
Para Charles Darwin, a vida de qualquer espécie vivente é um fenômeno contínuo da evolução, seleção e adaptação ao longo do tempo. A vida não é produto de um “Criador” ou de “Divindades”, a vida é produto dela mesma. E nós, seres humanos, somos também resultado de um fenômeno contínuo e, portanto, histórico da evolução, seleção e adaptação das espécies ancestrais comuns que nos fizeram chegar até aqui neste presente momento.
A publicação da teoria científica de Charles Darwin sobre a origem da vida causou desamparo na cultura religiosa europeia de sua época, bem como em outros cantos do mundo. Na Europa a crença de que a vida humana e todas as outras formas de vida vinha de uma criação divina era algo inquestionável em meados do século 19. Até mesmo entre os cientistas europeus daquela época havia a concepção de que a vida era uma criação de Deus.
A ideia de pensar a existência do ser humano e tudo que existe no mundo como sendo resultado de uma criação divina sempre esteve presente nas culturas mitológicas e religiosas de diversas sociedades tribais e das civilizações. Esta forma de pensar a existência da vida a partir de uma divindade é conhecida como criacionismo ou teoria criacionista.
Os cristão europeus, da época de Darwin, acreditavam que todas as espécies vivas – sejam elas, humana, animal e vegetal -, eram os mesmos exemplares desde a criação divina. Antes da teoria evolucionista de Darwin havia um amparo mítico-religioso de que tudo que é vivo foi da vontade do Criador. Todos estavam seguros e amparados pela certeza de que a existência de tudo é uma obra de Deus. Todas as formas de vida de hoje são exatamente a mesma desde a Criação.
A teoria científico-naturalista e evolucionista de Charles Darwin e suas versões mais modernas posteriores promoveram um impacto profundo na maneira como os cientistas e filósofos passaram a pensar sobre existência da vida e, sobretudo, a vida humana. Sim, com a teoria da evolução das espécies, até mesmo a vida dos seres humanos passaram a ser entendida como parte do reino animal com suas leis naturais da evolução, seleção e adaptação. Se na perspectiva do criacionismo o ser humano era uma criatura especial do Criador; na teoria naturalista de Darwin, o ser humano simplesmente faz parte da natureza, submetido às leis de funcionamento da evolução, como qualquer outro animal.
Sem dúvida é a mais influente e criativa teoria científica de todos os tempos. Compreender a vida a partir de uma perspectiva racional e empírica deve ter promovido um sentimento de euforia e expectativa sobre este novo olhar científico acerca da vida e, ao mesmo tempo, um sentimento de desamparo diante do fim do monopólio da narrativa religiosa sobre explicação da vida.
Mas qual era a ideia de como a vida deveria ser entendida a partir da teoria da evolução das espécies proposta Charles Darwin? Para este naturalista, os animais, plantas e outros seres vivos estão submetidos continuamente à um processo de seleção natural. A luta pela sobrevivência é inerente à vida para qualquer ser vivo. E, nessa luta pela sobrevivência, quem ganha não é o mais forte, mas sim, àquele que melhor se adapta ao seu próprio ambiente. Ou seja, os seres vivos mais bem-adaptados ao seu ambiente tem uma maior probabilidade de sobreviver ao longo do tempo; para isso devem ser capazes de passar adiante, aos seus descendentes, algumas de suas características que os fizeram sobreviver.
De acordo com Darwin, esse padrão se repete tanto em plantas quanto em animais. A luta pela sobrevivência não é somente entre membros de espécies diferentes, mas também entre membros da mesma espécies que lutam uns contra os outros. Nessa luta pela sobrevivência todos competem para passar suas características para a próxima geração.
Por que a teoria da evolução de Darwin causou um desamparo na cultura europeia de sua época e posterior ao seu tempo? Compreender a vida ou a natureza na perspectiva da evolução de Darwin é entendê-la de forma impessoal, ou seja, uma natureza que funciona de forma autômato como se fosse uma máquina. Sendo assim, a evolução da vida é um fenômeno sem nenhuma consciência anterior (de um Criador) ou posterior (visando um sentido ou finalidade).
Toda forma de vida é um fenômeno da evolução, seleção e adaptação que acontece de maneira cega na natureza; é cega em razão de não haver um sentido ou finalidade. Não há um “Deus” direcionando para onde deve ir o fenômeno evolutivo da vida. A natureza não pensa na vida que produz; ela tampouco importa se essa vida terá sucesso ou não. A natureza funciona de maneira amoral. Eis aí o desamparo desta teoria da evolução.
É possível que antes de Darwin possam ter existido alguns ateus, mas depois dele ficou bem mais fácil e legítimo ser ateu. Mas não é preciso ser ateu para aceitar que a evolução das espécies seja verdadeira; muitos religiosos podem ser também darwinista. O que não se pode é ser darwinista e acreditar que Deus tenha criado todas as espécies exatamente com elas são hoje.
Darwin antes de desenvolver sua teoria naturalista e evolucionista viajou a bordo do navio Beagle que transformou a vida dele definitivamente. Antes da viagem, Darwin tinha dúvida se seria cientista ou se dedicaria a carreira religiosa de vigário. Depois de retornar de sua viagem de pesquisa científica abandonou completamente aquele outro plano de se tornar vigário. Nunca uma viagem foi tão decisiva para alguém, bem como para todos nós que passamos a entender a vida não mais a partir do "conto do vigário".