Que seja eterno enquanto durar o último cigarro do maço
– Eu sei.
– Sabe?
– Sei.
– Não sabe.
– Você sabe que eu sei.
– Ok. Você sabe. E agora?
– Agora?
– É… Agora.
– Agora eu não sei…
– Você nunca sabe.
– Não. Agora eu não sei.
– Mentira. Você nunca sabe.
– Que diferença faz? Que seja.
– Que seja.
(…)
– Ei.
– Oi.
– Olha pra mim.
– Não quero.
– Só olha.
(…)
– Seus olhos…
– O que tem?
– São enormes.
– Isso todo mundo diz.
– Eu não sou todo mundo.
– Todo mundo diz isso também.
– Para.
– Para com o quê?
– Com isso.
– Isso o quê?
– Nada.
– Nada? Ok.
(…)
– Eles são imensos.
– Imensos o quê?
– Seus olhos.
– Eu já entendi. Eles são todos os sinônimos de “enormes”
– Eu não estou falando de tamanho.
– Ué.
– Seus olhos… São diferentes. São cheios.
– Explica.
– Não, deixa pra lá.
– Humpf…
– Você odeia não saber se o que a pessoa disse é o que você está realmente pensando.
– E?
– E que eu acho isso legal.
– Não é legal ter um turbilhão de pensamentos na mente e não saber qual é o certo.
– Nenhum é.
– Poupe-me das suas filosofias baratas.
– Ok.
(…)
– Diz alguma coisa.
– Achei que gostasse de silêncio.
– Gosto. Quando o silêncio é confortador, e o seu não é.
– Por que não? Estamos em uma cidade diferente, olhando pro nada no meio da madrugada. Quer algo mais confortador?
– Ah, esquece.
– Não.
– Confortador é quando não se tem nada a dizer, quando o silêncio não é uma barreira, quando ele é a única coisa que se tem.
– Hum.
– Tanto faz.
– Não, espera.
– Esperar o quê?
– As palavras saírem.
– Que palavras?
– Nada.
– Ok.
(…)
– A vida é estanha, não acha?
– Não acho.
– Ela é sim. Ela parece esse cigarro. Na verdade a morte é esse cigarro.
– Literalmente.
– É, literalmente.
– Presta atenção.
– Presto.
– Você traga o que pode tragar, na vida você carrega o que consegue carregar. Em alguns momentos você perde o ar porque aquilo é muito para o que você pode suportar e ainda sim você insiste. Quando vai chegando ao fim, você percebe que é a hora de partir, mas não quer porque a vida que você leva ou o cigarro que você traga, é algo que te traz uma sensação boa e você não queria que tudo aquilo fosse finito… Quando sabe que é. Porque é só a droga de um cigarro e é só outra vida. E que se é prolongado, traz um gosto amargo. Assim como o filtro desse cigarro e o término da sua vida. Você passa a se enganar e se contentar com pouco. Com o pouco daquela sensação boa. Com a ilusão que aquilo é o bem maior que você já teve, quando na verdade, é nada.
– (…)
– Não me olha com essa cara como se eu fosse um alien. Esquece, todo mundo diz que falo demais.
– Eu não sou todo mundo.
– Eu sei que não é todo mundo. Se fosse, teria me interrompido na primeira frase.
– Eu gosto de te ouvir. Você é meio maluca… Mas tem um jeito legal de olhar as coisas, ainda que um tanto pessimista às vezes, mas na maioria das vezes é realista… Até demais.
– É. Às vezes.
(…)
– Olha.
– Olha o quê?
– Nada… Eu só queria que você pudesse enxergar seus olhos.
– Me empresta o celular que eu consigo.
– Não assim. Enxergar como eu enxergo.
– E como você enxerga?
– Enxergo muitas coisas. Eles falam por você.
– Olhos são a alma e blá blá blá.
– Tá. Ainda sim eles falam por você… Estão falando agora e estiveram, mas parece que você não os ouve. Sua boca sempre diz o oposto do que eles dizem.
– E o que eles dizem?
– O que eu digo com a mente.
– Desculpa… Não sou nenhum tipo de vampiro ou X-men pra ler sua mente.
– Hahahaha idiota.
– O que dizem meus olhos?
– Eu não consigo dizer com a boca o que digo com a mente.
– Eu não consigo dizer com a boca o que digo com os olhos.
– Reciprocidade?
– Minha sina.
(…)
– Olha pra mim.
– Hm?
– Cigarros são finitos. Mas eu entendi a teoria.
– Entendeu?
– Sim.
– Você acha que seu cigarro é igual a todos do maço, só porque a sensação boa foi a mesma que o que você está tragando.
– Sim, e aí?
– E aí que não são iguais. A sensação é a mesma mas os cigarros são diferentes e os finitos são diferentes. Sua reação quando aqueles outro cigarro acabou não foi a mesma que quando esse acabou. Porque esse era o último cigarro que você tinha.
– Agora você me confundiu, mas estou conseguindo acompanhar.
– Não pense que eu sou igual aos outros porque eu te faço bem. Você sabe que no fundo, eu sou diferente e agora eu sou tudo o que você tem, e sempre fui tudo o que você tem. Sempre fui sua última opção, assim como todos os últimos cigarros do maço que você teve. Sempre fiquei no meu cantinho observando você escolher a todos… Menos a mim. E saí do meu lugar? Não. Porque um dia eu sabia que você ia olhar pra mim e me colocar entre os seus dedos. Eu sabia que você pensaria na dor que sentiria em me perder, no vazio de não ter o seu último cigarro… Ou no caso sua última opção. Mas eu estou aqui, independente dos outros.
– Viu?
– Vi o quê?
– Isso que torna um silêncio desconfortante.
– Isso o quê?
– Essas palavras que eu penso e não sei como dizer… E você disse.
– Fica tranquila.
– Estou tranquila.
– Eu sei que está.
(…)
– Ei.
– Hm?
– Eu te amo.
– Não diz coisas que você não tem certeza.
– Mas eu tenho. E você também.
– Não tenho não, por isso eu não digo.
– Você não, mas seus olhos sim.