Rastros Sem Vida
Podemos continuar sendo um fim em nós mesmos, cultivando a ilusão de ser apenas um momento, um personagem preso a um monumento, como se a vida fosse um aceno a perder de vista no horizonte único.
Podemos continuar sendo atores e coadjuvantes de nós mesmos, cultuando a saga humana alheia às margens dos atos e intervalos da peça encenada sem paixão, como se a vida fosse apenas palmas e ovações da plateia antes do cerrar das cortinas.
Podemos continuar sendo o orgulho de nós mesmos, consolidando a imagem pendurada na galeria de personalidades que tentam construir os castelos de legados suntuosos, como se a vida fosse apenas a construção de berços esplêndidos para os fatos da própria história.
Podemos continuar sendo soberanos de causas soberbas, alimentando a arrogância humana no púlpito de discursos inglórios, como se o mundo estivesse inteiro aos nossos pés, mesmo não sabendo os confins do destino.
Podemos continuar caminhando a passos largos e incertos, levando a bandeira da trajetória humana em suas vitórias sob o jugo da própria pequenez de seus propósitos, mesmo não sabendo que a poeira do tempo cega sua mente e apaga seus rastros vãos.
Podemos continuar sendo, como sempre fomos, somos e seremos.
Entretanto continuaremos sem perceber o óbvio que desvela a nudez da dádiva da vida.
(DarciFHolanda, Aclimação, 26maio2023)