Ocorreu-me algo hoje
Ocorreu-me algo hoje...
Entre todos os pensamentos vulgares
Entre todos os amores inventados todas as manhãs
Entre o dia, que escorre, e leva consigo a minha porca vida — junto com o cigarro, que trago, de peito, ferido...
Deveras, ocorreu-me algo hoje!
Entre a minha própria inquisição e julgamento involuntário dos outros
Entre os planejamentos pueris para o futuro que certamente não ocorrerá (ou ocorrerá)
Entre os passantes que perambulam pela minha mente, dos quais desvendo a vida ou
entre aqueles misteriosos, dos quais não posso ler
Te digo que hoje, verdadeiramente, ocorreu-me algo...
Entre as preocupações e a audácia de se crer poder pensar metafísica
Entre o medo da morte sem porquê de existência
Foi hoje ao acordar uma hora mais cedo do que me fiz crer dever
Antes do mundo inteiro reorganizar-se para estreitar-me todos os ossos e todas as entranhas, com todas essas coisas, como costumeiramente acontece...
Foi assim, logo após abrir os olhos, que me ocorrera algo, subitamente...
Mas antes que pudesse saber o que é, o primeiro raio da alvorada irrompeu no céu e a esmagadora realidade encerrou todos os vestíbulos e todos os entres possíveis, tomando o seu posto cotidiano.