CONVERSA COM O PAPEL

 

Querida folha de papel....esta noite sinto-me estranho...pensativo. Deve ser ridículo para ti, ouvir dizer isto. Já me conheces bem e sabes que eu em muitas outras noites me isolei aqui contigo ou com outra igual a ti a dizer o que sentia. Tornou-se um vício difícil de superar...mas estou descansado pelo menos nunca te menti. Hoje foi um dia complicado... tive que amarrar algumas palavras, mas algumas conseguiram escapar. Não fiquei triste porque desta vez não senti que tinha cometido algum erro, mas lamento em ter dito algumas ásperas...  mostrar que defendo aquilo em que acredito,  a tarefa mais complicada do mundo. Porque arrastamos algumas convicções que não são nossas nessa enxurrada do que cremos. Tenho a utopia que as palavras podem só dar origem a momentos de compreensão e harmonia. Acho que sempre vão entender claramente aquilo que estou querendo dizer com elas... Mas cada um escolhe a palavra que quer e deixa muitas delas de lado...alguma coisa...uma nuance...um pedido...uma desculpa é provável que alguma passe despercebida. Sei bem... porque tenho tido a minha coleção de diálogos incompletos... de monólogos acalorados e de silêncios imprevistos. A única explicação que encontro para todos estes fatos comuns é a partilha imperfeita daquilo que queremos expor de nós mesmos quando achamos que o mundo certamente estará atento para nos ouvir... Eu sempre penso se existirá uma forma mais inteligente de comunicar-se com o ser humano... Este tem sido provavelmente o ano em que mais questionei o que me rodeia e tudo o que entrou ou saiu de mim. Acho que me tornei incrivelmente chato.. monótono... teimoso e nunca tive tantas dúvidas em relação a meus sentimentos. Apesar de tudo, as dúvidas e os medos vão diminuindo a um bom ritmo e só isto me permite estar aqui a desfilar os meus pensamentos com a noção que não ficarão muito tempo só para o mundo. Há muito tempo que deixei de esconder quem sou... é talvez o meu maior ato de coragem, mesmo que ele seja também a razão para muitas das minhas entorses e derrapagens. Talvez tenha mesmo que ter cuidado com os vazios que vou encontrando nos meus desejos. Preciso aprender a não achar que eles vão me sugar todos os passos que ainda quero dar. Olhar para eles como se eles fossem balões que ainda estão por encher. Esvaziei-me...amanhã arranjo uma forma de voltar a encher em vez de lamentar o espaço em branco que em mim ficou. Tenho-me concentrado a reunir todos os defeitos e obstáculos que sei que vão surgir sempre que der um passo em falso. Se eu fosse uma pessoa excessivamente inteligente, diria que esboçaria uma lista com os meus erros e todas as emoções que eles despertam em mim... Mas não...vou apenas recolhendo pedaços aqui e ali daquilo que sinto a olho nu...Acolho bastante a dor...Espremo algumas lágrimas...Maltrato alguns dos meus sorrisos.. Conheço novas entradas para o medo.. Retiro-me e depois atiro-me de cabeça nas compostas dúvidas...Finalmente tento arrancar explicações... Mas descobri que sou um louco diferente... Nada melhor do que conversar com uma folha em branco.