O desamparo da vontade - Arthur Schopenhauer

O filósofo Arthur Schopenhauer (1788 – 1860) publicou vários livros, no entanto, a sua obra mais importante e conhecida foi “O mundo como Vontade e Representação” de 1818. Este famoso livro apresenta duas ideias de como a realidade deve ser observada. De acordo com Schopenhauer, a realidade do mundo deve ser compreendida tanto como “Vontade” quanto como “Representação”.

O mundo como “Vontade” é o entendimento de como a realidade de todas as coisas que existem na natureza é promovida, de forma absoluta, por uma força cega desprovida de qualquer sentido, direção ou finalidade. Já o mundo como “Representação” é a forma como nós experimentamos a realidade do mundo em nossa mente. E este modo de como a nossa mente experimenta o mundo se dá através dos sentidos. Ou seja, o mundo como “Representação” é o modo como construímos a realidade em nossa mente através dos sentidos dando à nós uma consciência do mundo. E o mundo que experimentamos pelos sentidos é o mundo no qual vivemos.

Arthur Schopenhauer desconfiava de que a realidade do mundo – sua “Representação” - pudesse ser somente compreendida através das experiências adquiridas pelos sentidos e gerando uma consciência acerca dele. Para Schopenhauer, a realidade do mundo era muito mais profunda e que, portanto, não se limitavam às experiências dos sentidos, ou seja, a realidade estava além do mundo das aparências.

Este debate do filósofo Schopenhauer sobre o mundo como “Representação” tem uma forte influência da filosofia de Immanuel Kant (1724 – 1804) acerca daquilo que de fato podemos conhecer, ou seja, os limites daquilo que podemos conhecer e entender. Mas não vai ser este tema do mundo como “Representação” que vamos tratar aqui neste texto, mas sim, o mundo como “Vontade” que é o que nos interessa no pensamento filosófico deste filósofo.

O mundo como “Vontade”, para Schopenhauer, é uma força vital e cega inerente à tudo que existe na natureza; seja essa existência algo orgânico (a vida animal e a vida vegetal) ou mineral (uma pedra, uma rocha, um vulcão, etc.). Essa força vital é um fenômeno que está por trás de tudo o que exite e age de forma completamente cega, portanto, sem direção e finalidade. A “Vontade” é a energia ou uma força propulsora que faz as plantas e os animais desenvolverem, bem como as pedras e os cristais se formarem nos compostos químicos.

A “Vontade”, insiste o filósofo, está presente em cada parte da natureza. Por exemplo: a “Vontade” nos animais e nas plantas se manifesta despida de qualquer pudor moral, ao contrário, o que se impõem sobre eles é a luta instintiva pela sobrevivência. A luta de todos contra todos devorando-se entre si. Os animais herbívoros comem plantas, os carnívoros devoram-se entre si, bem como seus corpos servem à outros parasitas; tudo o que está vivo se esforça instintivamente (fenômeno da “Vontade” cega) para manter a vida. Tudo que é vivo quer viver, eis aí a manifestação violenta da “Vontade”. A “Vontade” é faminta de si mesma.

Para Schopenhauer, os seres humanos também são atravessados por essa “Vontade” que se manifesta na forma de “ciclos de desejos” irresistível e ilimitado. A “Vontade”, em nós seres humanos, está presa em seu próprio círculo desejante de forma cega e insaciável. É o desejo pelo desejo; assim que realizamos um desejo, um outro já se manifesta e, depois, mais um outro de maneira sucessiva e infinita. Segundo o filósofo, todos nós seres humanos estamos sempre desejando obter coisas e depois mais coisas.

Por isso, a “Vontade”, diz Schopenhauer, também age no corpo do ser humano de forma interminável, sem objetivo, nem limites; ela é desejo ilimitado. É uma força arrebatadora que não tem outra finalidade desejar por desejar; é um querer que não sabe o que quer, mas que somente quer de forma cega, impulsiva e violenta. Não há nenhum Deus direcionando os desejos ou essa “Vontade” dentro de nós, ela é desprovida de sentido ou finalidade. Essa incessante “Vontade”, manifestada na forma de desejos que nunca se satisfaz, só acaba quando morremos. Sendo assim, diz Schopenhauer, a vida humana é um desamparo doloroso porque somos consciente dessa “Vontade” cega, egoísta, sem objetivo ou meta que nos governa. Seria melhor não ter nascido.

O pessimismo filosófico de Arthur Schopenhauer nasce de uma compreensão de que o ser humano não age no mundo tomado por uma consciência racional, autônoma e objetiva, ao contrário, a ação do sujeito humano se dá pelo desejo permanente, um querer infinito, e é essa “Vontade” ou esse querer que define o ser humano. Podemos dizer que o pessimismo filosófico de Arthur Schopenhauer se contrapõe ao otimismo filosófico que define o ser humano como um “animal racional” de tradição Aristotélica, Kantiana e Hegeliana.

Em vez de um “Penso, logo existo” como havia afirmado o filósofo racionalista René Descartes, na filosofia de Schopenhauer poderia se fazer o seguinte neologismo: “Desejo, logo existo”. Nesta perspectiva a vida não é pensamento, ao contrário, a vida é desejo; um querer constante. Tudo no corpo é manifestação da “Vontade” ou desejo que não obedece regras ou leis, ao contrário, o desejo é um impulso cego e universal que só quer desejar e nada mais; não tem qualquer consciência uma vez que é puro ímpeto. Para Schopenhauer, a “Vontade” foge da explicação de qualquer metafísica racional, uma vez que a “Vontade” não tem um planejamento objetivo, um sentido lógico ou uma meta. Ela é cega e se manifesta ao acaso.

Schopenhauer parece se filiar à uma outra tradição filosófica que entende o ser humano como um “animal desejante” já presente na filosofia de Santo Agostinho, de Blaise Pascal e Sorem Kierkegaard. Embora sua filosofia seja ateia, mas ele sofreu forte influência desta tradição do cristianismo pessimista. Por isso mesmo, a essência do sujeito, na filosofia de Schopenhauer, não é a racionalidade, e sim, a “Vontade” permanente; um querer infinito. Em sua filosofia, a razão perde o primado em benefício de uma potência cega e universal que ele denominou de “Vontade”.

O filósofo atribui um lugar primordial às potências do inconsciente e da intuição, e não mais à razão humana. O corpo humano é puro ato de “Vontade” cega que não tem sentido, nem direção ou qualquer relação de causalidade. Toda ação da “Vontade” no corpo humano é um querer por querer e nada mais. A razão não é páreo para as vontades do corpo. Daí todo o desamparo e sofrimento da vida humana na filosofia de Arthur Schopenhauer. Os pensamentos de Nietzsche e, depois, o de Freud serão tributários desta visão filosófica.

Se para Arthur Schopenhauer, a “Vontade” é a causa de todo o sofrimento humano; haveria algum alento para esse fenômeno que causa tanto desamparo à vida? Sim, apesar de pessimista, o filósofo entende que algumas experiências podem tornar a vida mais suportável. A experiência da arte, para Schopenhauer, seria a possibilidade de nós escaparmos deste ciclo infinito da "Vontade" que nos atormenta e desampara. Em sua filosofia, ele desenvolve um tratado importante sobre o papel que a arte tem no processo de aliviar, provisoriamente, o sujeito da tirania da vontade insaciável.

Para Schopenhauer, a música seria a arte, por excelência, para anular em nós este ciclo tirânico da vontade. Ela, a música, nos transporta para uma interioridade subjetiva anulando provisoriamente e parcialmente da tirania do desejo. É um oásis no meio do deserto. Um alento. Outro método, embora mais extremo, que o filósofo nos aconselhava para nos afastar deste ciclo do desejo infernal é desenvolver uma vida asceta, ou seja, distanciar-se do mundo; viver uma vida de castidade e pobreza. Uma renúncia do mundo. Nesta proposta percebe-se a forte influência do Budismo na filosofia de Schopenhauer.

Mas que fique claro à você leitor; Schopenhauer jamais colocou como prática de vida o seu pessimismo filosófico, bem como jamais renunciou o mundo na forma de castidade e pobreza na sua juventude e vida adulta. Ele foi um hipócrita? Não. É que a vida e a obra de qualquer escritor são inconciliável. Assim como Santo Agostinho rezava à Deus para se libertar do "pecado da luxúria", mas também dizia: "mas não agora Senhor". Eu também imagino Schopenhauer tendo a clareza filosófica do quanto a "Vontade" era um ciclo infernal que perturbava e causava desamparo às nossas vidas, por isso mesmo, ele nos ofereceu também lições éticas que serviam de refúgios das ações implacáveis desta "Vontade" que nos desampara. Mas o filósofo em questão não foi um "Santo". Entregou-se às "Vontades" a partir de suas idiossincrasias. Ainda bem.

Wander Caires
Enviado por Wander Caires em 15/05/2023
Reeditado em 28/05/2023
Código do texto: T7788490
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