O ser humano sem a crença, é o quê?
Durante o trabalho, dentro da sala de aula do desafiador 6° ano, fui tentada a questionar a vida.
A vida tem um sentido?
E a morte?
Ok, ok. Para morrer, basta estar vivo, certo?!
Então, por que nascemos? Por que surgimos?
Criação divina? Para que fim? Havendo algum objetivo - não quero me precipitar - parece-me que fracassou.
Não é possível que tais seres viventes, portadores de tamanha imbecilidade, futilidade, preocupações e ânsias frívolas sejam frutos de uma criação gloriosa.
Parecemos divinos?
Nossos atos remetem ao sagrado?
Dentro da tal crença, observamos seu precoce desencanto já desde a primeira família.
Por que aquele peixe quis explorar a terra?
Vejo-nos como primatas que agora sabem escrever, vestir um terno. Um primata que aprendeu a andar de salto alto e a falar de modo erudito. Nada mais.
Milhares de anos de evolução para preocuparmo-nos com a demora do retorno de resposta daquela pessoa no WhatsApp.
Há cerca de 200 mil anos, nos tornamos homo sapiens (homem que sabe). Obtivemos com isso algum propósito?
A filósofa Viviane Mosé, ao falar sobre Nietzsche, dirá: "adoramos uma ilusão. Pagamos caro por ela" Acreditamos em tudo que nos é apresentado. Deparamo-nos com o desconhecido e imponderável e logo o sacralizamos. Afinal, como não estremecer diante da força do mar, do vento, da chuva, do tempo? Tais elementos, livres de qualquer senso moral e/ou ético, são aquilo que são, descartando qualquer preocupação com possíveis vítimas do seu poder.
Clóvis de Barros Filho dirá: "o mar mareia como só o mar poderia marear"
Olhamos, então, para tais forças e curvamo-nos diante delas. A ciência avança e descobre que, na verdade, tais elementos trata-se não de deuses, mas da natureza. Entretanto, isso não é problema para a nossa carência e vazio existencial. Criamos, pois, outros deuses. Dizemos que somos a criatura, filhos amados de um pai que tudo pode, parte de um plano maior e eterno.
Cremos em objetos santificados, energias, astros, copos de água ungido, e tudo mais que for sobrenatural e ilusório (gostamos disso)
A alma clama:
- Oh, astros, objetos, lenço ungido, energias, deuses, joguem uma bóia aqui no fundo do poço do nada (nulidade) . Tenham misericórdia e livra-nos da nossa própria ignorância e decadência existencial. Traga-nos um sentido.
Não suportamos o peso da dureza da vida.
Não suportamos a dor da perda, a dor da finitude. Ajude-nos! Não queremos necrosar embaixo da terra e sermos devorados por minhocas, baratas e formigas. Oh, forças sobrenaturais, diga-nos, afirme-nos que ao menos a nossa alma não irá se decompor e apodrecer junto ao nosso corpo que já morre desde o nascer.
Abrimos mão, oh astros, como bons discípulo do niilismo negativo, deste mundo tangível em nome de um outro hipotético que sequer nos foi mostrado, provado. Mas não precisa nos provar. Acreditamos. Acreditamos em tudo diferente dessa experiência dolorosa chamada "dádiva". Amém.
Projetamos em objetos e pessoas supostamente sagradas toda a nossa crença e fé desvinculados da _sophia_ e, então, matamos, morremos, escravizamos e desumanizamos o semelhante por uma ideia descompromissada com qualquer comprovação e proximidade com o real, além de tal ideia ser sujeita à mutação pela temporalidade e espaço geográfico. Logo, é arbitrário e efêmero.
O que resta de nós mesmos, tirando toda a gororoba inventada provedora de sentido?
Bem, o que temos de mais divino e, simultaneamente, tangível, é a relação com o outro. Uma roda de samba. Um café da tarde e boa troca de ideia com bolo de fubá.