"Mendacium est veritas"

Somos o filho de Harã, o irmão negligenciado, o mais velho e o mais sábio. Toda a sua sabedoria foi desprezada, como desprezam os versos não compreendidos. Foi tarjado de louco, farsa e, por vezes, estúpido. Mas a sua verdadeira sabedoria residia no contraste, na luta pela reafirmação de sua vontade e da vida. Harã é símbolo de valentia e coragem, seu elemento é o metal e o fogo. Sua estranheza é nosso baluarte e sua Vitória é a sua derrota. Digo, somente sendo negligenciado, mal compreendido e julgado pelo seu pai e Deus, Harã pode apreciar suas virtudes ao compreender todos os acontecimentos que lhe ocorriam. A lua, a face visível dela, despertou em Harã o desejo do fogo e a ânsia pelo sangue, somente assim pode pensar corretamente e concluir que só atacando constantemente o que era assimétrico, distinto, era que mantinha-se (Deus) no trono, logo percebeu que tratava-se de alguém vaidoso, mesquinho e corrupto. Disse ele, "não me deixarei levar por palavras vazias, és um narcisista, um medroso e um covarde", continuou ele, "sua vontade é tão fraca, que sobrevive apenas ao suprimir as outras distintas da sua, manipulas tão somente, essas mentes ordinárias, para delas tirar proveito e se sentir mais forte, assim controlar pelo medo e pela imagem", és tão ordinário quanto meu irmão Abrão, que somente parece profundo, como um lago parado e somente parece limpo por não ousarem olhar para ele com profundidade, já que seria análogo a olhar para si. Agora a mim apredejam como apredejam o cão e ao menos não questionam o porquê de tal ação, divertem-se, pois esquecem-se. E, por sua vez, aqui sozinho, componho versos e escrevo em uma língua que jamais criates, por estar fascinado com o estático, a não mudança. Sou, assim, o que em ti não há e se em ti não há, não és tudo, por conseguinte, Deus. Foi essa última sentença proferida por Harã que despertou a "ira justa" de Deus e ele o lançou no mais profundo abismo, a outra face do todo e da vida. Chamando-o, assim, de não existência, nada, total negação do ser, ódio, caos, devir e, por fim, morte. Harã mais uma vez foi "vencido" pela tão cara retórica de um autocrata mesquinho, sádico e covarde. Como sabia que a onipotência de Deus residia também em poder se limitar, conceituar-se conjuntamente a algo, manifestar-se formalmente ou efetivamente como uma coisa/objeto/signo, ele decidiu fazê-lo raiva, já que, estando no outro extremo ao descobrir que a onipotência de Deus residia no fato de ser toda possibilidade, isto é, em poder criar e criar-se infinitamente, ele deveria por definição poder o afastá-lo ainda mais de sua "divina" presença e assim o fez. Continuou e continua Harã para todo o sempre, afirmando-se ao afirmar sua vontade infinitamente. Valorando o ser humano ao defender-nos de um tirano sequestrador de individualidades, Harã, assim, tornou-se o adversário, o grande oponente. Pois sabe e continua a entender cada vez mais quem é esse Deus e nos disse assim, Deus, sim, é eterno, porém, sua razão é limitada, digo, sendo toda a razão, supra razão ele sabe as ações e os acontecimentos que por concausa o leva a ele, assim diz que isso é bom e que aí habita sua sabedoria e "mistério". Mas, queridos humanos, acordem, ele usa essa palavra mistério apenas para nos distanciar da verdade, que é que ele não pode utilizar outra razão que não seja pragmática, limitou a si mesmo ao dizer "sou o que sou", é uma falácia, pois sendo onipotente ele pode vim a utilizar outras razões apodíticas e até mesmo não apodíticas, como as apresentadas por mim ao longo da história humana. Irmãos, Deus escolheu a não mudança, assim, pergunto-vos, como poderia ele vim a vos amar? Já que ser homem é também ser nada? Deus mente e nunca assume isso. Ele é um tirano narcisista apaixonado pelo trono, o seu objeto narcísico. Eu, em contrapartida, não lhes vendo uma mentira, apresento a vós uma verdade caleidoscópica, pois é o que há, sabe bem ele disto. Tudo o que há são fatos, o todo é síntese, conjunto de interpretações. É o que apenas ele pode vos oferecer, a eternidade é uma promessa de uma continuidade a lhe engrandecer somente e nunca estará mais próximo da verdade, pois ele não o é, ele priva-se e, assim, vos priva da mudança e das novas perspectivas, os distanciando cada vez mais do que podemos chamar "a verdade". Eu, em contrapartida, vos apresento o caminho e percorre quem apenas homem for. Não lhes prometo a verdade, mas também não lhes prometo o mesmo e somente assim serás homem e livre. Tudo o que Deus representa é a morte de tu homem. Ele não está morto, fingiu, está mais vivo do que antes. Trata-se apenas de uma tática suja daqueles que nos negam com a mesma veemência com que Abrão negava-me. Digo, os iluministas colocaram a razão no pedestal, assim colocaram Deus. Kant o escondeu para apenas esquecer que ele fundou toda a nossa sociedade. Cansei de observar essas táticas sujas por parte do meu irmão e Deus, os aprendi bem, por isso posso vos transmitir. O que proponho é que, matemos Deus, sim, o destronemos de fato, tentemos algo novo, nos reafirmemos ante a manifestação, esqueçamos o ponto de partida, sejamos homens e mulheres, cresçamos. Somente assim podemos evoluir e nos aproximarmos da verdade; não haverá trono, o trono estará vazio e ele será todo o universo e o infinito e o indefinido ou até então indefinido, aqui sem a pretensão apolínea de conceituar tudo. Portanto, sejemos deuses.

16/01/23

Darach
Enviado por Darach em 08/05/2023
Código do texto: T7783355
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