AUTO TERAPIA
AUTO TERAPIA
Tarcízio Alencar
Acordei, de mais uma noite mal dormida, espreguicei-me, levantei com má vontade, dirigi-me ao banheiro, esvaziei a bexiga, lavei as mãos e comecei a lavar o rosto.
A mente, absorta, já se ocupava com as coisas que deveria fazer ao longo do dia. De repente, assustei-me e dei-me conta que alguém me encarava do outro lado do espelho do meu banheiro.
Mantive o controle (não gosto de alardes!), olhei-o atentamente e o achei bastante familiar. Talvez por ter acabado de acordar, não atinei de imediato quem era aquele sujeito.
Ao me ver observando-o, ele me cumprimentou: - bom dia!
Opa! Era educado. Respondi-lhe, então: - bom dia!
Ele – porque está mal humorado?
Eu – por que não dormi bem, ora!
- É, eu sei. É por isso que vim me propor a conversar com você.
- Mas, quem é você? O que faz aqui na intimidade da minha casa?
- Não me reconhece? Eu sou o seu passado. Aliás, sou também o seu presente.
- Ah! Que bom! Não sabia que podia vê-lo!
- Claro que pode. Você faz isso sempre.
- ...!!!
- Não sei se você percebe, mas, você tem me procurado todos os dias.
- É?
- Sim. Até está fazendo terapia.
- É verdade. Inclusive sempre me é perguntado sobre o meu passado.
- Isso. Por isso estou aqui. Dispõe de tempo? Podemos conversar?
- É! Vá lá! Tenho o dia todo mesmo!
- Está preparado para encarar o seu passado?
- E é tão feio assim?
- Não é que seja feio, muitas coisas aconteceram.
- É! Eu lembro.
- Lembra, não! Há muitas coisas que você jogou para baixo do tapete.
- Ei! Eu nem tenho tapete!
- Você que pensa: ele já está inchado de tanta coisa que oculta. Porque acha que está dormindo tão mal???
- Ow! Vê lá, hein! Não me vai aqui ser indiscreto!
- E daí? Estamos só nós dois mesmo.
- Mas? Dói?
- Muitas vezes vai doer, mas, vamos lá, houve tanta coisa boa, tantos momentos de alegria, tantas emoções... uma boas outras nem tanto.
- Ora, pois! Vou então para o divã... ops! Para a poltrona.
- É melhor! É preciso conforto para conversar comigo.
- Demora?
- Ow! E como! Está pensando em meia hora? Vai ser hoje e vou voltar outras muitas vezes.
- Mas, aí, você já está abusando.
- Estou não, meu caro! Você não vive sem mim.
- Pretencioso!
- Verdadeiro!
- Ok! Então comecemos!
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