Monólogo reflexivo de, no máximo, pouco intuito.
É a décima vez que eu passo por este mesmo lugar.
Pelas outras nove vezes, eu via exatamente a mesma paisagem, as mesmas coisas. Talvez até mesmo as mesmas pessoas, quem sabe? Na décima vez que passei, notei que havia algo diferente. A paleta de cores havia sido alterada, e o grande culpado era a placa enorme de publicidade que ergueram ao longo do trajeto. Pense só, que audácia! Estragar uma sequência perfeitamente ajustada, que me servia de forma prática para me localizar, em prol de marketing de baixa qualidade. Como se precisássemos de mais um mascote arredondado para empresas que são relevantes apenas em seu mundo. Bobagens a parte, aquilo ficou comigo. E pelo resto do caminho, tudo era igual, com exceção daquele pedaço. Daquela parte em específico.
Coloquei a cabeça no travesseiro e ainda era consumido por minha ira. Algo tão banal, tão simples, tanto de não mexer, quanto de não se importar, arrancava do agarro das minhas mãos as poucas horas de sono que teria.
E de certo modo, isto só prova minha proficiência em dar corda para assuntos incompletos - não pela falta de final, mas pela falta de conteúdo; motivo. Pela absoluta falta de justificativa plausível para gastar tanto tempo com um assunto tão supérfluo. Poderiam haver inúmeras explicações - e todas elas mais razoáveis do que minha face zangada - e nenhuma destas eram devidas a mim. Meu julgo sobre essa situação existe somente no meu universo e eu sei. Mesmo que eu despendesse o tempo necessário para localizar o contato direto do responsável por subir aquela placa de publicidade ali, eu ainda deveria buscar a empresa que contratou, sua equipe de marketing, e talvez até mesmo algum gabinete obscuro da prefeitura local, que autorizou tamanha aberração.
Mas, como num golpe de mágica - Como se um meteoro metafórico caísse no ponto exato de minha cabeça - eu enxerguei uma valiosa lição. Nossa verdade é estabelecida pelo que vemos. Sabemos que basta subir para chegar a padaria pois a rua de casa sempre foi uma subida, mão única, por sabe-se lá quantas décadas. Paredes brancas te parecem a melhor opção para o interior de uma residência pois crescemos assim, mas um advogado de 57 anos da Bulgária pode achar qualquer coisa senão verde neón uma aberração. Moldados por um entorno que torna-se a verdade que nutre nossas expectativas, vemos o errado em lugares que não cabem qualquer julgamento. Quantas vezes aquele local mudou - prédios subiram e desceram, casas recém compradas e posteriormente abandonadas, muros cercando terrenos que dão vida a vegetações que também mudam... - antes de eu passar ali pela primeira vez, e estabelecer minha verdade absoluta?
Minha rua ainda é uma subida, mas a rua anterior a ela, que ''deságua'' na minha mudou seu sentido tem 3 anos. E em tão pouco tempo, quando comparado com o resto do tempo que eu a vi com o sentido antigo, eu já não tenho problemas com isso. Preciso me esforçar para lembrar que isso aconteceu, pois eu já me acostumei. O antigo mercado já é um novo mercado, apoiado sob o esqueleto do seu antepassado, o suficiente para me encher de memórias. De quantas histórias tem como cenário aquele velho mercado, surrado, que estava a 5 minutos de casa.
Apoiar-se numa situação que lhe é familiar é perfeitamente aceitável e compreensível. O problema é que nada é estático - com, talvez, exceção de partículas incrivelmente pequenas cujas não sou qualificado o suficiente para sequer saber se existem - e nem mesmo nós. Se ficarmos parados, não estamos mantendo nosso conforto, estamos apenas ficando para trás.
A placa de publicidade ainda estará lá quando passar por lá novamente, talvez com outra paleta de cor, talvez com outra empresa fazendo seu anúncio. E se ela for derrubada, e tudo volte a ser como era, talvez eu sinta o gosto de ver algo que eu conheci, mas a antiga paisagem para sempre estará arruinada. Agarrar-se a ela trará problemas somente a você.