A coragem de desistir
Crescemos, em muitas ocasiões, sendo convencidos de que não podemos desistir, que é errado desistir, que a desistência, além de ser coisa de fracos, expõe a feiura do nosso fracasso. É isso. Nossa cultura compreende a desistência como um sinônimo para fracasso. E, assim, convencidos de que não podemos abrir mão de coisas que, inclusive, nos foram entregues sem nem ao menos termos sido consultados, insistimos naquilo que não faz mais sentido, que não tem mais propósito, que não desperta em nós aquelas emoções e aquelas vibrações que um dia despertaram, que um dia fizeram a vida brilhar em um belo colorido. E, então, acabamos acorrentados, aprisionados, presos a um passado do qual acreditamos que, se ousarmos nos libertar, irá nos condenar por sermos uns “fracassados desistentes”.
Mas não é bem assim que a vida funciona. Claro que não. Nosso erro é acreditar sem crítica alguma, sem postura questionadora alguma, em todas aquelas ideias rígidas e inflexíveis que infiltraram em nós. Sendo a da desistência uma delas. É claro que não podemos abrir mão de sonhos e projetos logo nas primeiras dificuldades. Poderíamos até mesmo ser considerados preguiçosos caso, nos primeiros obstáculos, déssemos às costas para coisas que sonhamos por toda uma vida, coisas das quais, mesmo desejando pelo contrário, simplesmente desistimos devido à nossa falta de disposição em enfrentar as dores que antecedem as conquistas. Então desistir por medo, por receio, por insegurança ou, mesmo, por preguiça, talvez não deva ser considerado como um fracasso, não precisamos ir tão longe, mas com certeza pode ser a postura de alguém que, agindo sem avaliar a própria realidade, se deixa levar por emoções superficiais e infundadas.
Por outro lado, há coisas que deixaram de fazer sentido, como falei no início do texto, coisas que perderam a cor. Infelizmente, se alguns desistem por nada, outros por tudo insistem, até o ponto de se distanciarem de si mesmos, esquecerem-se da sua própria vida em nome de um orgulho que pensam ser necessário defender, ao passo que deveriam se preocupar apenas em tornar suas vidas interessantes, como falamos em textos anteriores, mesmo que isso signifique encerrar histórias que já não podem ser escritas.
“Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências: desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem” (Caio F. de Abreu)
Em um mundo que exige tanto de nós para que cobicemos o sucesso acima de tudo, desistir é, sim, um ato de coragem. É quando, enfim, nos levantamos para assumir o controle sobre a nossa própria existência. É quando, enfim, despertamos para o fato de que não vale a pena desperdiçar vida insistindo naquilo que já a deixou e que só permanece na nossa ilusão. É quando, enfim, ousamos deixar o passado no passado abrindo-nos ao futuro.
E é corajoso porque quando, finalmente, nos libertamos da ideia que temos sobre coisas que já não existem, mas que um dia significaram a razão da nossa existência, então estaremos nos arriscando a uma realidade desconhecida, a um cenário completamente novo, a experiências que até então nos privamos de viver. Desistir, quando é tudo o que podemos fazer, pode nos assustar pela noção de que estaremos nos desgarrando de algo que um dia se assemelhou ao ar que respiramos – foi vital para nós –, e, assim, estaremos nos convencendo de que, realmente, acabou, não dá mais, não importa mais, não existe mais. Parte de nós se vai nessa descoberta. Uma parte que, no fundo, já fora, mas que insistíamos em agarrar naquela fina linha que ainda nos unia. Linha esta que, finalmente, se rompe, para que, assim, tenhamos a chance de construir novos laços, criar novos vínculos, viver novas experiências.
Desistir não é o mesmo que fracassar. Fracassar é nem tentar viver o que um dia você viveu. E não desistimos daquilo que não tentamos. Desistimos daquilo que ao menos iniciamos, mas que, então, revelou-se inadequado para nós. Desistir é dar uma chance a nós mesmos para novos começos.
(Texto de @Amilton.Jnior)