A vida na ponta do dedo
Passei a observar mais o mundo à minha volta nos últimos dois anos. O isolamento forçado ao qual fomos submetidos (não todos, claro, algumas pessoas não respeitaram a quarentena) me fez observar mais as relações humanas à minha volta. Irônico, pois foi quando realmente me afastei das pessoas que passei a observar melhor o tipo de relações que mantínhamos.
Passados os dois de reclusão forçada voltamos a todo vapor. Todas as promessas internas sobre sermos mais atentos, mais conscientes, menos ansiosos e mais presentes foi para o ralo. Voltamos e voltamos ainda mais frenéticos.
Quando saio e preciso enfrentar uma fila de banco, o que é raro porque praticamente tudo hoje resolvemos com um toque nos aplicativos do celular, percebo que as pessoas estão presentes em corpo, mas ausentes de alma.
A imagem é: um bando de gente cabisbaixa, não por tristeza, mas por conta da tela do celular. Rolando para cima e para baixo aplicativos que proporcionam os mesmos efeitos em níveis e estilos diferentes de atuação. Instagram, twitter, whatsapp, telegrama, YouTube e o famigerado tiktok, um dos mais nocivos aplicativos da turma, dominaram nossas vidas.
Não usamos como fonte de distração ocasional entre um tempo livre e outro. Não. Usamos como a principal fonte de existência e no tempo livre que nos resta estamos pensando no que está acontecendo nas redes. É um ciclo vicioso.
Não que eu me encaixe nesse quadro de viciados por redes sociais, pelo contrário, afastada cada vez mais da lógica tecnológica de distanciar-se de si mesmo e dos outros é que me foi possível perceber que estamos doente.
A capacidade de foco limita-se a 1 minuto de um short ou stories e nossas vidas se tornaram vitrines dos produtos fabricados em massa que todos nós nos transformamos. Trends precisam ser feitas, selfies precisam ser compartilhadas. Viagens, relacionamentos perfeitos, trabalhos que geram renda fácil e ilimitada. Atualmente, nós não vivemos, mas fingimos estar vivos através das imagens que ostentamos em redes sociais.
As minhas reflexões não giram em torno da extinção de redes sociais. Até porque reconheço os benefícios que trazem ao nos conectar com o mundo e nos manter próximos, virtualmente. É claro que a ferramenta não é maligna. Mas o uso que fazemos dela, sim, pode se tornar devastador.
Ainda mantenho o hábito de escrever manualmente, usar cadernos e canetas. Ainda conservo o hábito de ler meus livros impressos, tocá-los e cheirar, rabiscar quando preciso. Assim como ainda gosto de olhar para o rosto da pessoa em carne e osso. Mas a verdade é que cada dia que passa me sinto mais alheia a esse mundo onde a vida está limitada às pontas dos dedos.