Igual diferente
Aquele buraco em que eu caí continua lá. Os pixos adornam, o sol queima, o ex-presidente esconde seu Rolex. Salvador apaga as velas, o trabalhador se sente explorado, mas não sabe por quem, nem como, nem porque. Uma notícia sem nome, só vítima.
- De quem é a culpa?
- Do sistema
- E quem é o sistema?
- É o que tá em cima
Foi o que eu ouvi.
E pra falar a verdade eu também não sei precisar que é. O que faço é tecer pensamentos como quem borda de olhos fechados pra ver o que forma depois. Delírios aparecendo a todo som.
Pensei que você tinha me tomado a linha que corta o céu e a terra, mas é só olhar pra frente, olhar pra frente que continua lá. Parece eu acho, que naqueles dias em que as coisas doem até dormir, até você moldar o travesseiro com o formato do seu rosto, e seu corpo estar tão descompassado que mais fácil é acreditar que cansou de ser corpo, parece que tudo se distancia, que o picolé derrete mais rápido, que aquele boa tarde custa as cordas vocais e a dobradiça do pescoço uma vida pra se fazer viva, parece que não se pode fazer como ararinhas, em que a coisa se dá num processo complexo de achar o parceiro certo, achar e ficar pra vida inteira, a vida é muito curta pra ser inteira, muito curta. Parece que não dá pra ser como o vocábulo em espanhol "despecho" que, li por aí, significa "dor de ter o peito arrancado", parece que prometeu nos deu o fogo sim, só esqueceu de dizer pra não se queimar. Parece que o menino deus brinca e dorme em mim, o poeta me contou, a cantora me cantou, e por mais que eu não seja religioso, esse verso me estremece toda vez que acontece, parece que ainda é quarta, mas com cara de terça, o que não faz diferença nenhuma.
Parece que tudo fica como está, mas diferente.