NORMOSE - DEIXANDO DE SER QUEM SOMOS
Esses dias estive analisando os comportamentos sociais de hoje, em comparação aos comportamentos de um passado não tão distante. Lembro que quando criança, as coisas eram bem mais difíceis pra gente do que hoje em dia. Tudo era na base do árduo sacrifício e esforço, e sem direito de reclamar, porque senão as havaianas cantavam no nosso lombo. Tínhamos aquilo que nossos pais podiam nos dar no momento e é isso, sem choro. Não nos ofendíamos com as “zueiras” proferidas pelos nossos amigos. Resolvíamos nos socos e pontapés, impúnhamos nosso respeito e no outro dia estávamos brincando de novo sem mágoas. Roupas eram compradas apenas no final do ano, isso se existisse uma reserva que deveria ser economizada durante todo o ano, caso contrário iríamos tingir as roupas velhas com outra cor para disfarçar. As marcas daquilo que comprávamos era das mais diversas possíveis e também desconhecidas, mas que no momento eram o que cabiam em nosso orçamento. Quando perguntado que marca era aquela, dizíamos que era importada para ganharmos um crédito mesmo que inexistente. (Pelo menos até alguém achar o mesmo produto nas calças da 25 de março nas mãos dos camelôs kkkkkk)
Nasci em 1975 e desta data até mais ou menos início dos anos 2000, digo que foram épocas de ouro, épocas de simplicidade considerando o ponto de vista da sociedade que pertenceu à classe média baixa (Mais baixa do que média a qual eu fazia parte). Tínhamos vontades sim, de ter as novidades mostradas pelos amigos mais ricos, mas não caíamos em depressão por não ter aquilo que gostaríamos.
Aquilo que não tínhamos ou não podíamos comprar, tentávamos criar à nossa maneira. Quantos carrinhos feitos com latas de leite ninho, cheias de areia fizemos? Várias. Carrinhos de rolimã, arminha de cabo de vassoura, telefone de barbante e copo de plástico, pipas, capuchetas, bolinha de gude feita com massinha de farinha e cola, entre outros brinquedos fizeram parte de nossa criatividade e infância. Não tínhamos bens materiais, mas tínhamos imaginação. Percebo que neste tempo, éramos obrigados a encarar, aceitar e lidar com as dificuldades de nossas necessidades. Através disso, tínhamos que criar soluções para amenizar um possível sentimento negativo. Isso formou e solidificou nosso caráter para um futuro que inevitavelmente viria, nos dando assim maior habilidade para enfrentar as adversidades da vida com uma maior clareza e resiliência. Éramos quem éramos, da forma que éramos e com aquilo que tínhamos, e nunca se preocupávamos em agradar ninguém sendo aquilo que não podíamos ser.
Já hoje em dia a coisa é diferente demais. Hoje temos diversas palavras para nomear possíveis falta de habilidades de cada momento de vida, de situação, de sentimento, de modo de vida, de escolhas, disso e daquilo outro, talvez querendo maquiar uma fragilidade pessoal. E não diferente disso, não poderia deixar de citar a palavra Normose, que a princípio pode ser dividida numa visão de normalidade comum em todos os sentidos, mas também num tipo de normalidade que na maioria das vezes, não faz parte das ações e condições diversas de um indivíduo. Como mostrado na ilustração deste texto, vemos pessoas carrancudas comprando um aparato que quando colocado no rosto, transforma a face até antes carrancuda, numa face feliz ou sorridente, mesmo que internamente os sentimentos da pessoa em questão não dariam motivos para isso. Hoje quantos aparatos compramos para fazer parte da normalidade que vivemos? O sistema diariamente cria padrões de "normalidade" vazios em tudo o que interagimos. No âmbito de beleza, se você não tiver 1,80m de altura e pesar 70 kg, você está fora do padrão. No âmbito das várias redes sociais, se você não postar em cada uma delas, pelo menos 20 fotos por dia mostrando tudo o que faz ou onde vai, você está fora. Se ganhar menos de 300 likes em cada foto, está fora. Se não tiver o celular, o tênis ou roupas da moda ou aquele carro X cobiçado por todos, você está fora. Estes padrões afetam diretamente o "Eu" daqueles que não sabem quem são. Pois quem se conhece, sabe que não tem a necessidade de agradar ninguém. Já quem não se conhece, a todo momento faz o possível para se encaixar na futilidade criada por um sistema que precisa se movimentar com a falta do senso de prioridade e importância daqueles que estão se perdendo no processo de evolução. Aliás, penso que quanto mais o mundo evolui, parece que o mesmo fica pior para se viver. Parece que estamos sendo rodeados de pessoas cada vez mais frágeis no que diz respeito à personalidade. A louca necessidade de normalidade buscada por muitos, os tornam muitas vezes pessoas diferentes daquilo que demonstram ser. A normose instalada na mente de pessoas fracas, originam por exemplo, o sentimento de inveja, pois estas mesmo sem condições, gostariam de ser ou ter aquilo que outras pessoas são ou possuem, gerando uma frustração por não conseguirrem. E com isso, a normose pode estimular a auto depreciação, inferiorização ou ridicularização do seu eu em comparação às outras pessoas que tem o que você não tem, como por exemplo um possível status mesmo que fictício. A palavra status na pior de suas explicações considerando nosso tema, pode ser descrita como "Comprar aquilo que você não precisa, com o dinheiro que você não tem, para impressionar a pessoa que você não gosta, daquilo que você não é". Isso acaba virando uma bola de neve catastrófica. Imagine cada pessoa querendo criar seu status desta maneira. Teríamos um mundo de gente fake e fracassada seguindo as regras impostas por um sistema também fracassado organizado e dirigido por aqueles que não seguem as próprias regras que criam, mas que ganham dinheiro com isso.
A verdadeira normalidade tem que ser original do seu eu. Você tem que ser quem é nas condições que tem conforme os princípios e valores que possui.
Seja você mesmo!!!