Ao ar livre
Acordamos cedo para a manhã ensolarada de sexta feira. Rumamos eu e meus estagiários para o Jardim Botânico, um local esplêndido para um delicioso café da manhã. A intenção era a de comentarmos as pesquisas, programação, acontecimentos da faculdade, mas também e isso era muito bom, falarmos da situação do país e das nossas próprias realidades. Um privilégio começar pelo menos um ou dois dias no ano ao ar livre, no mundo natural, com alunos da área biológica. Ficávamos na escadaria do prédio central, de frente para o lago ornamental, parte do processo paisagístico.
O papo era sempre animado. Após comermos, à pé, seguíamos para o Departamento, passando pelo lago e por um bom pedaço da trilha dentro do Jardim Botânico.
Sempre que possível, contava alguma coisa pessoal que pudesse ser significativa de alguma forma para eles e elas. Nesse dia, quis dar um exemplo que refletia dois fatos: ação certeira para redução de problema e opção pela visão mais leve da vida.
Narrei um fato ocorrido por ocasião do comportamento do meu bebê recém-nascido, e que chorava muito. A orientação médica foi de que deveríamos adaptá-la a ficar no quarto dela, um protocolo para cinco dias. No primeiro dia chorávamos filha e mãe, ela no bercinho, eu sentada no chão no corredor, perto da porta do quarto dela. Foram dois dias muito difíceis, indo trabalhar sem dormir; a bebê, exausta, amedrontada. Refleti que mães querem acertar e essa pressão vira um círculo perigoso, porque o raciocínio se compromete pelo cansaço . Na terceira noite, com muita vontade de desistir, com gosto de derrota, pus a bebezinha no berço. Ao primeiro acordo não musical, mas de choro, o pai se levantou, pegou o bebê, me levantou do chão, e disse: -“Vamos parar com isso. Nunca vi cria ficar longe da mãe. Hoje todo mundo dorme nessa casa-.” Na cama grande, o pai curvou o corpo em meia lua na direita e a mãe, à esquerda, e formou-se uma concha, um ninho, e a bebezinha deitada no centro,dormiu de suspirar.
Foi o dia mais gratificante que tive daquele período duro de maternidade. Foi um bem para a mulher que tem que tomar muitas decisões no meio de tantos afazeres e dúvidas. Dormimos ela e eu quase abraçadas e dormimos muito. Acordamos felizes.
Percebi que a história fez os olhos dos estudantes brilharem. Acho que foi o exemplo masculino, com um toque biológico ("cria junto da mãe", "comportamento Primata?"), e bem provável, a intuição de que fêmeas preferem machos que interagem mais com as crianças.
Aliás, os pais humanos desenvolveram evolutivamente papel altamente dedicado, incluindo mudanças hormonais que acompanham a paternidade. Isso não ocorre com outras espécies de mamíferos, mesmo entre a maioria dos macacos.
Neste dia essa foi a história mais marcante, porque trouxe aos tão jovens alunos a noção de que seu mundo adulto chegaria e traria muitas questões.
Conversas ao ar livre arejam as cabeças.
Professoras(es) deixam a cadeira professoral e compartilham suas histórias, simplesmente humanas. Os laços professora-aluno(a) podem permanecer além formatura deles, o aprendizado é mútuo. Relembro com carinho.
Filha, essa história é muito sua.
Nesse dia e em tantos outros que seu pai fazia você voar de “anjo”, colocando toalha de banho em sua cintura e com as extremidades dela juntas projetava com cuidado você para o ar, e você gargalhava.
Estas horas foram de carinho do seu pai para com você , um “pai coruja” que a Primatologia tenta entender de onde derivou evolutivamente.
https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-57912930. Dia dos Pais: Por que os pais humanos são tão diferentes dos outros animais. E. Preston. BBC Future (Knowable Magazine)*. 2021