Paquera nos anos 70 e 80.

Paquerar é demonstrar interesse amoroso por alguém. A palavra tem uma origem que se explica por caça e captura de pacas por um paqueiro, que “paqueirava” o roedor, que astuto exigia cuidadosa observação. Outro termo, flertar, significa fazer a corte a; namoricar; é derivada do inglês flirt (1583) "golpear de leve, comportar-se amorosamente sem propósitos sérios". Uma mulher jovem, minha amiga, me explicou que atualmente se usa: “ter um crush”, e o substantivo do “paquerado” é “contatinho”. Ter um “crush” significa estar interessada (o) em alguém, possuir um sentimento de afeição por essa pessoa. Equivale a “ter uma queda por”. Pois prefiro cortejar, termo que é utilizado para os rituais iniciais entre animais não humanos, e cabe também a nós como início de uma relação afetiva.

As relações humanas nessa época dos 70 e 80 foram bem menos plurais do que as que se veem hoje. Mesmo assim, não mudaram as pessoas. Continuam boas, mantendo caráter e decência nas relações amorosas; ou não, e se colocam de forma manipuladora, ou, agressiva. Não é difícil identificar a intenção de atos de afeição e de atos agressivos.

O primeiro propósito de tratar desse assunto é mesmo contar alguns casos da juventude, que foram de “paqueiras” notáveis.

Caso 1

Na década de 70, estava em minha casa localizada na rua principal da cidade, fim de tarde, após o dia na faculdade e ouvimos eu e colegas alguém gritando meu nome e pedidos de namoro através de megafone. De repente, no sistema de som do carro, Ângela Ro Ro canta a todo vapor seu grande sucesso na época, “Amor, meu grande amor”(1979). Ficamos apenas nas frestas das janelas enquanto o garoto que eu identifiquei prontamente porque o conhecia, passou quase uma hora em sua performance de sedução. Esse rapaz já havia me abordado várias vezes em eventos culturais da faculdade, porém, foi surpreendente vê-lo aos gritos, declarando-se na rua. Me causou certo constrangimento mas não somente por mim mesma, mas também por ele e a parceira dele. Estas situações elevaram meu amor-próprio, porque as colegas de república celebraram, mas foi muito teatro, muito pra fora. Faltou conversa, falar dos sentimentos...

Homens e mulheres seduzem com um olhar, um movimento nos cabelos, um sorriso, um perfume, um poema. Contudo, as aves*, nos sobrepujam em cortejos, por sua diversidade de cores, tamanhos de penas e plumas, e cantos dos machos e, além das características físicas, há espécies que literalmente dançam para conquistar sua parceira (Vale a pena ver! Tem muitos vídeos na Internet). Em decorrência da evolução e variações genéticas e, aprendizado, estudaram a "dança" dos tangarás machos às fêmeas. Viram que havia um grupo básico de "passo" ou de "passos", mas cada população desses “pés de valsa” tinha um "passo" característico, como o samba dos brasileiros e o tango dos argentinos. Genial!

Caso 2

O segundo me chegou como quem estava em desespero, procurando uma parceira para compartilhar de modo irrestrito um curso de longa duração (1982). Começamos o curso num cinema assistindo um filme. Muita gente de várias partes da América do Sul. De repente, chega esse homem, desloca a pessoa que estava sentada ao meu lado, e se senta e se apresenta contando até os títulos; e atrapalha meu filme; e com duas palavras mágicas: “Estou apaixonado” inicia o ritual de conquista. Agarra minha mão, lógico que tentei sair, e assim o fiz, correndo, quando a luz voltou e busquei a companhia de mulheres do grupo que estava conhecendo naquele dia. Mas, num dia de aula de Informática, estamos todas(os) subindo as escadas para as salas, e meu movimento é impedido bruscamente por uma mão que agarrou meu tornozelo, me imobilizou e eu gritei pelo susto e quando me viro para olhar, o ser, jogado na escada sem soltar meu pé. E ainda tive que ouvir que eu o tinha deixado fora da razão; que eu era culpada por ter causado sentimentos que o faziam sofrer; que o feriado viria, que iríamos num local tranquilo, que ele já havia reservado o hotel, e que, nem mala eu precisava levar porque compraríamos tudo. E continuou e se repetiu. Eu não consegui articular uma palavra. Falava e o som não saia. Finalmente, dois colegas do curso iam chegando, e perceberam a situação. Um o agarrou e fez com que ele saísse de lá, e o outro, me consolou e deu suporte até a sala de aula. Incrível dessa história, é que a culpada era eu! Eu o atraí! Eu era responsável por isso! Quando o longo curso acabou, ele veio falar comigo e repetiu os ”elogios”, e terminou assim: “teríamos sido muito felizes”. Um predador. Nem respondi, mas mesmo com tudo o que me fez não o humilhei.

Passado quase um mês, um colega sentou-se no ônibus ao meu lado e agarrou minha mão e falou alto “estou interessado em você ". Minha reação foi perder o folego e ficar branca como um papel. Mas, ele rindo, afirmou “aquele cara é um horror, e eu e você somos amigos! Sou bem casado e estou brincando e queria te falar o quanto lamento que meu conterrâneo tenha feito isso à você". Mas quando chegamos, nos levantamos para sair do ônibus e ele disse " se eu não fosse casado eu iria te paquerar.” Dei-lhe aquele sorriso amarelo.

Fiquei pensando se fosse hoje, o rapaz fora de si seria chamado de agressor. Eu de fato fiquei temerosa de ficar circulando pelos cantos da universidade, pela reserva natural onde costumava caminhar. Ao namorar alguém de fora do curso, da cidade, obtive proteção.

Dessa vez perguntei-me: Por que eu?

Porque eu fui uma garota e então era uma mulher muito calada, muito tímida, que falava baixinho, que me sentia muito mal de chamar a atenção, que fazia de tudo para não me expor, isso atraiu homens de opinião incontestada, que pensam que mulheres eram acolhedoras de seus desejos, e que isso poderia ficar agressivo caso não fosse satisfeito.

Em minha juventude, recebíamos os cortejos como naturais, mas se exagerados como estes, nunca duvidávamos das intenções, e ouvíamos ate das mulheresda família: “- Coitados, caíram de amores!”-. -"O que você fez para ele se descontrolar?"-

Tenho aprendido com minha filha, com outras jovens mulheres, e hoje estou ciente do que é um assédio, e posso ver nas histórias, tantas histórias, um resgate de dignidade das mulheres como seres humanos.

É obvio que a atração existe em qualquer caso, porém, há o cortejo natural, e outro, que se baseia em uma decisão forçada a qualquer preço. Na primeira, há uma verificação da disposição do outro, normalmente se resolve caso não seja aceito, e a pessoa é conhecida, com um não simples e delicado. E isso basta! Espera-se que as pessoas se tratem bem, sem humilhações, sem exposições do outro, sem ignorâncias. Em tempos de Internet, é comum restarem dúvidas, portanto, se queremos construir relações verdadeiras devemos valorizar os contatos de forma verdadeira.

Caso 3

Destaco de minha história mais um caso. Estava num país da América Do Sul com minha irmã, à passeio. Conheci um rapaz e namoramos enquanto estávamos lá. Na saída para o aeroporto, bem cedinho, eis que alguém com um ramalhete imenso de flores, correndo atrás do taxi, e gritando meu nome. O taxista diminuiu, abri a janela, ganhei as flores, começou uma chuva imensa, mas ele continuou correndo e dizendo coisas carinhosas. Chorei. O motorista quis alegrar-me e perguntou se eu tinha um time de futebol local. Quando falei no meu portunhol, ele riu muito. Tudo dessa vez anunciou um cortejo singelo e sincero, e foi bom para ambos.

Década de 40

Adorávamos e mamãe teve que repetir muitas vezes um diálogo entre uma moça e um flerte na década de 40. As três amigas de braços andando na rua, cruzam com um homem que chega muito perto delas e diz: “-Nossa que linda! E então mamãe retruca: "- Pena que não posso dizer o mesmo!” Mas o galanteador deu o troco: “Faça como eu, minta.” E ela e as amigas riram muito intensamente.

Paqueras ou cortejos ou conquistas pertencem aos Comportamentos de Comunicação e podem ajudar os animais a encontrar parceiros, estabelecer dominância, defender o território, coordenar comportamento do grupo e cuidar dos jovens. No caso humano, são importantes para definir e consolidar relações e traçar limites. Dependem de autoconhecimento, de autenticidade e da demonstração de interesse pela outra pessoa. É fundamental ser verdadeiro, e jamais demonstrar ser aquilo que não é. E também, mostrar porque se sente orgulhoso daquilo que você tem construído.

*http://www.fapeam.am.gov.br/aves-machos-apresentam-diferentes-dancas-para-seduzir-suas-femeas/. “Diversidade de Piprídeos em Interfluvios da Amazônia Central: interfaces moleculares, comportamentais e ecológicas aplicadas à conservação”.2010. Camila Carvalho e Luís Mansuêto – Agência Fapeam.