"Alguém pode explicar por que não existe meritocracia"?

Pergunta do Quora. Minha resposta.

Existe, mas é extremamente parcial porque, o que importa em sociedades tradicionais, são os contatos e não necessariamente a capacidade e o caráter, enquanto que em sociedades capitalistas, o que mais importa é o dinheiro. Em ambas, mas especialmente nas sociedades capitalistas, o mérito objetivo é um meio para um fim, gerar lucros individuais ou para corporações, e não um fim em si mesmo, ser útil à sociedade, além de ser ao próprio indivíduo. Nas sociedades mais tradicionais, o mérito objetivo também é um meio, para sustentar justamente a ausência do mesmo, tal como governantes hereditários ou monárquicos, totalmente escolhidos por critérios anti meritórios, contratando artistas, arquitetos ou professores com base na demonstração de real competência. Algo parecido acontece com o pseudo mérito capitalista, de ganhar dinheiro para si mesmo. A diferença é que os defensores desse sistema gostam de dizer que os mais ricos são os que mais contribuem para a sociedade em que vivem. Correto, mas apenas em termos absolutos e ainda bastante vago em como que essa contribuição real ou literalmente reverbera em todas as camadas sociais. Já em termos relativos, os mais ricos contribuem principalmente para si mesmos e isso não é uma contribuição social ou para a sociedade, de fato.

Se a meritocracia fosse absoluta, primeiramente, não haveriam diferenças sociais tão absurdas, porque a maioria das profissões são muito importantes, à sua maneira, para o funcionamento de uma sociedade. Então, tipos que contribuem mais para si mesmos do que para a sociedade em que vivem, de bilionários a "celebridades", não seriam tão privilegiados social e economicamente. É até possível dizer que, em uma sociedade realmente meritocrática, super-ricos não existiriam.

Se o mérito objetivo fosse um fim em si mesmo em "nossas" sociedades", então, cientistas, professores e agricultores, especialmente os mais competentes e éticos, não seriam tão pouco valorizados, social e economicamente, que atletas, artistas e/ou empresários. O que os torna mais valorizados é justamente a lucratividade de suas indústrias ou atividades e não o real valor de suas respectivas contribuições. O caso das artes é ainda mais complexo já que especialmente com a emergência hegemônica do relativismo cultural e associada à indústria capitalista do entretenimento, que se importa mais em lucrar do que com a qualidade artística, tem se tornado cada mais comum o surgimento de artistas medíocres ou comerciais, e que, tal como a indústria que fazem parte, só se importam com a lucratividade de suas "obras". Mesmo as artes sendo muito importantes para uma sociedade, a valorização de certas classes de artistas e a partir de certos ambientes em que trabalham, tal como atores de Hollywood, é extremamente exagerada e só pode ser explicada pelas irregularidades vulgares geradas pelo sistema capitalista.