O que é ouvir?
Sabemos falar. E como sabemos! Alguns de nós acordam falando, cantando, cantarolando. Outros de nós pensam em voz alta. Falam consigo mesmos, com o cachorro de estimação, com os passarinhos que pousam na beira da janela pela manhã e com as flores que ao final da tarde costumam regar. Falamos gratuitamente. Mesmo quando não nos pedem. Às vezes pedem para que fiquemos em silêncio, estamos incomodando. Em outras vezes nós mesmos percebemos que passamos dos limites e sentimos “a língua cansada”. Gostamos de falar. Acredito que uma das causas para o sucesso da nossa sobrevivência enquanto espécie se deve à habilidade de elaborar discursos e proferi-los aos quatro ventos!
Infelizmente, no entanto, apesar de falantes fluentes, constantes e até espontâneos, apresentamos sérias dificuldades na hora de ouvir. É como se não conseguíssemos. É como se, ao estarmos diante de quem nos fala, fôssemos capazes apenas de ouvir os nossos próprios pensamentos, o som do nosso interior, aquela barulheira que não somos capazes de silenciar. São os nossos julgamentos, os nossos valores, os nossos preconceitos há muito formulados e enraizados, as nossas visões sobre o que é a vida e como deveriam ser as pessoas que ouvimos enquanto alguém a nós dirige seus desabafos. Crenças e inclinações que distorcem a nossa audição e não nos permitem ouvir de verdade, com generosidade, aquilo que a outra pessoa nos diz. Falantes, mas não ouvintes. Às vezes nem queremos ouvir.
E não queremos ouvir porque é muito mais fácil apenas projetar, apenas verbalizar, apenas colocar para fora as palavras que queremos dizer. Às vezes são palavras sem profundidade, superficiais, que não desnudam a nossa alma verdadeiramente, mas que, pelo menos, não nos lança ao incômodo de sermos confrontados por fatos sobre os quais não concordamos, ou não queremos concordar, fatos que, por vezes, nos confrontam com a fragilidade humana e a nossa falta de controle sobre o mundo, sobre os outros, e até sobre nós mesmos.
Porque ouvir verdadeiramente implica em silenciar a nós mesmos. E não é no sentido de ficarmos emudecidos, apenas balançando a cabeça, mostrando uma concordância que na realidade nem existe. Ouvir de verdade é anular a nós mesmos, momentaneamente, para que o outro consiga se revelar sem preocupações, sem resistências, sem defesas. É, quando não for possível concordar, apenas ser capaz de respeitar e entender. É, quando não for possível entender, ter humildade o bastante para reconhecer a própria ignorância, a própria pequenez, e pedir ao outro que nos ajude a o compreender. Ouvir verdadeiramente é escutar para além das palavras e ver os sentimentos. É, através de um olhar silencioso, contemplar a dor de uma alma que se desespera. É, numa atitude humana de aceitação e acolhimento, mostrar ao outro que se está ali por ele, para ele, com ele.
“Quando eu te conto como eu me sinto, é para que você me entenda, não para que você decida se meu sentimento é certo ou errado” (Francisco Galarreta)
Pensamos saber ouvir, porém, quando estamos, por educação ou não, diante de um falante, ficamos a todo instante pensando em qual resposta dar. Mas não qualquer resposta. Uma que seja nossa, da nossa forma de viver, do nosso jeito de existir, da maneira como pensamos ser a melhor, a mais segura, a mais justa. E fazemos julgamentos. Falamos o que faríamos se estivéssemos naquele lugar. Falamos o que achamos sobre aquelas posturas que condenamos. Não ouvimos de verdade. Não oferecemos compreensão. Não nos esforçamos a entender. É muito mais fácil ir pelo caminho mais curto: o do dualismo, sem qualquer sensibilidade, que determina o que é certo ou o que é errado. Esquecemo-nos de que o certo e o errado, quando se trata das nossas vidas íntimas e particulares, de nossas dores singulares, de nossas vivências tão únicas e pertencentes a nós, são coisas relativas que precisam ser flexionadas. O que é certo para mim dentro da minha realidade pode não ser para você dentro da sua realidade. Posso, portanto, medi-lo a partir da minha vida?
Que possamos compreender e entender as pessoas em seus sentimentos, em suas existências, em suas vivências e em suas verdades! Que possamos nos permitir a uma escuta sincera e verdadeira. Que sejamos humildades. Que nos desvistamos das tantas roupagens que por sobre nós colocaram. Que olhemos para as pessoas e vejamos isso: pessoas! Pessoas sedentas por um pouco de alívio que só o ouvir bonito, como diria Rubem Alves, é capaz de proporcionar: o ouvir que nos faz nos sentir vistos, notados, que nos faz nos sentir humanos!
(Texto de @Amilton.Jnior)