Fuga da realidade

A vida, por vezes, dói. Estamos sujeitos às dores da existência, não tem jeito. Por mais que não queiramos. E por mais que tentemos evitá-las, elas acontecem, se fazem sentir e nos incomodam – ou até paralisam. Se não conseguimos evitar a dor o que fazemos então? Procuramos fingir que ela não existe. Mas não tem como fingir que algo não existe sem deixar de notá-lo ou percebê-lo. O que fazemos, então, é tentar, de alguma forma, anestesiar a nós mesmos contra as intempéries da existência. É quando nos distraímos. É quando nos dispersamos. É quando deixamos de prestar atenção na vida com o propósito de não experimentar de seu amargor.

E podemos fazer uso de diferentes estratégias a fim de alcançarmos essa “anestesia sensorial”. Às vezes nos atolamos de obrigações no trabalho, tudo para não termos tempo para pensar. Em outras vezes nos enchemos de obrigações dentro de casa, nem que tenhamos que ficar procurando por sujeirinhas nos cantos menos perceptíveis possíveis, tudo para não termos que sentir. Em outros momentos, ainda, ficamos vidrados na tela de um celular, deslizando o dedo de um vídeo para outro, dando risadas que não cessam, sem piscar, a fim de silenciarmos aquela voz que grita em nossa mente.

Não fazemos essas coisas deliberadamente. Pelo menos não geralmente. É inconsciente. Nem nos damos conta. Nem percebemos que a estratégia que encontramos para lidar com nossas pendências foi, ao invés de encará-las, silenciá-las.

Como falei, uma das estratégias é o uso da tecnologia. O mundo virtual tem se mostrado um excelente mecanismo de dispersão para que não tenhamos que olhar para as nossas angústias e resolvê-las. É como se entrássemos numa bolha espessa o bastante para que o mundo ao redor não se fizesse notar. Ficamos “seguros” nesse mundo imaginário que inventamos, cheio de filtros e efeitos, no qual a sensação de prazer é obtida instantaneamente, basta que entremos naquele perfil preferido e consumamos seus conteúdos de poucos segundos.

Só que nessa de nos anestesiarmos a fim de não sentir as dores da vida, acabamos não sentindo, também, as sutilezas da existência. Não nos permitimos ser tocados pelo amor, não nos permitimos ser impressionados pela fraternidade, não percebemos as graciosidades do mundo acontecerem diante de nós. Estamos distraídos. Desconectados da realidade. Vivendo em um mundo paralelo que parece nos manter protegidos, mas que rouba de nós a possibilidade do crescimento, do amadurecimento, do desenvolvimento! Não criamos laços. Não vivemos histórias. Nem mesmo sabemos quem somos e quando nos perguntam a nossa identidade, como é que nos definimos e vemos, ficamos sem respostas, porque estamos alienados de nós e extremamente voltados às fantasias nas quais buscamos refúgio para o fato de a vida, em dados momentos, doer.

Não se anestesie. Quantas possibilidades já deixou de viver? Quantas histórias deixou de escrever? Quantos sorrisos deixou de conhecer? Quantos sonhos deixou de realizar? Tudo porque tentou silenciar a si mesmo pelo medo de sentir dor. Mas a dor faz parte. É por causa da dor que não acabamos morrendo por uma infecção ingênua que se transforma num caos generalizado em nosso corpo. É graças à dor que tiramos a mão da superfície quente e não danificamos nossos nervos. É graças à dor que reconhecemos os nossos limites!

E ao deixar de se anestesiar diante da vida você irá, realmente, sentir dores, mas também estará disponível a sentir frescores e refrigérios. Quando nos fechamos, talvez não sintamos ansiedades e frustrações. Mas quando nos abrimos, é fato, sentiremos incômodos, no entanto as alegrias compensarão qualquer lágrima que porventura viermos a derramar. Porque a vida é isso. Essa diversidade de emoções. De maneira que não vivemos eufóricos, mas também não estamos condenados a uma eterna e constante melancolia!

(Texto de @Amilton.Jnior)