Amadurecer
Quando não se pode ou não se consegue ser para si mesma jovial acima dos 60 anos, é tristonho, é trágico. Proteger essa individualidade é necessário se ela for sincera, se ela mantem com alegria seus músicos preferidos, as músicas que lhe emocionam, as cenas que povoam sua mente, os carnavais de sua mocidade.
Não somos apenas um corpo, nem um título, ou uma firma.
Somos história!
Como querem que esqueçamos ou adotemos hábitos que desconhecemos? Como se senta uma senhora? Como e de que trata numa conversa uma velhinha? Que roupas deverá usar? Que músicas ouve ou dança? Esperamos que de preferência ela possa escolher o que lhe fizer bem e for confortável. Escolher por ela, somente quando lhe faltar consciência.
Num dia, num show de rock`and roll, meus colegas foram encontrados por alunos com cerca de 25 anos, e receberam deles um abraço e a afirmação eufórica: “puxa, que surpresa! professores, nunca pensei encontra-los aqui, nossa, incrível, quero ser assim quando envelhecer!” Um dos meus colegas, havia viajado muito para ver os shows inclusive fora do Brasil, respondeu: “O prazer é meu! Olha só vocês, prestigiando uma banda onde o vocalista nasceu em 1948, e cujos sucessos se iniciaram em 1970. Eu toco todos na guitarra, e vocês?
Como abrir mão dos sons, gostos, estilos, que nos encantaram no tempo de nossa meninice, e que incorporamos até nossa segunda ordem, para sempre!? Como poderíamos trocar o rock’and roll (e a MBP, de nossa época, e o swing, ou quaisquer outras preferências) por um “baile da saudade”, se nem conhecemos esses repertórios, e nem precisamos ter saudade, e nem queremos ir a um baile? Não! Para qualquer outra proposta de mudança de gosto porque “amadurecemos”, não!
Rock’ and roll não é sinônimo de juventude, e não detém a tríade sexo, drogas e rock’ and roll. Nas décadas de 60 e 70 foi uma das formas mais importantes de manifestação cultural e se estendeu como ferramenta para críticas políticas; os músicos, engajando-se em manifestações a favor de interesses sociais.
Poucas das belas artes foram lembradas aqui, porque foi o que tive acesso. Todas as artes, tão importantes, constroem sentimentos que permanecem em nós toda uma vida enquanto saudáveis estivermos. As músicas, no entanto, garantem experiência emocional tão intensa, que a recordação é duradoura em nossa mente. As reações de pacientes neuropsiquiatricos são tocantes e comoventes, e constam do documentário sobre a ONG Music & Memory. *
Se é muito bom cultivar a emoção da juventude, o exagero e qualquer exposição planejada para convencer uma plateia daquilo que você não é, e nem acredita, rechace! Pois será a traição de uma história de vida: a sua história.
Só tem história quem viveu. Só tem sonhos, sorrisos, emoções quem cultiva a própria história e ela começa na juventude e se mantém até nosso fim. É essa a idade que o tempo não enruga, não desgasta, não amassa, não tira o brilho.
*musicalidade.com.br/alive-inside-a-musica-no-tratamento-do-Alzheimer/. Documentário 2014.