Não é sabido

Foi-se. Rompeu com a existência no meio da semana, talvez por receio de ansiar a chegada do sábado, do desejo de viver, encontrar pessoas, dar-se algum prazer, repensar o ato, sorrir. Não é sabido se seu flerte com a morte era antigo, todos os dias alimentado até virar um monstro que não mais dependia de cenários tristes, dias chuvosos, música ou o caminhar noturno pelas ruas de Osasco.

O engoliu. Cresceu em sua casa, dormindo acima de si, dividindo-se em dois para debaixo da cama e para perscrutá-lo em seus momentos de quietude. Não é sabido, foi-se sem se explicar. Todos os dias lembro-lhe a face, o mantenho vivo por receio de também flertar demais, e parece-me que a morte anda traiçoeira, ora má, ora boa, mostrando-me sua face mísera de fome. Come a mim os bons momentos, comendo o riso, comendo o tempo. Que egoísmo tê-lo como exemplo do que não fazer! E hoje é como se todas suas frases fossem pedidos de socorro, mas não foi sabido.

Rumino se meus versos são sinceros: que tristeza desconfiar tanto assim de mim! O medo é do vazio, sempre do vazio, da incapacidade de sentir. Você flertou com a morte por sentir essa vida demais ou de menos? Não é sabido. Não há como saber. Talvez sentiu-se um herói, crendo no alívio de não estar cá, de não protagonizar, nem legitimar nada. Quebrou-se em milhares de pedacinhos e distribuiu-se em nós, deu-se e agora fazemos com isso o que quisermos, até mesmo esquecer.

Está dentro de mim e não sabe! É tanta coisa, mas também é nada. Dias desses eu bebi e chorei, tem sido comum me alcoolizar e chorar. Sabe o desespero? Eu acho a felicidade desesperada. Considero o prazer como um tapa na face, um murro que provoca um som oco, que faz eco e lhe diz coisas pesadas, diz-lhe que está como uma capa que é somente forma, sem nada dentro, ou pior, somente carne. Você sabia o quanto a euforia parecia mais prejudicial?

Não é sabido tanta coisa... Tudo o que conhece mostra-lhe que há tanto que não saiba, tanto que dá desânimo, obstrui a vontade de proferir, lincar frases, meter-se ao outro. Estou aqui deitada e machucada, mas não sei se almejo sarar. Tudo aquilo que vejo de bom, provém de desvario, de desgraça. Eu flerto com ela, com a morte, e para algumas pessoas é sim sabido, e isso tudo é também como aquela capa vazia que mencionei antes... Ajuda-me! Eu amo as complexidades disformes dessa coisa que parece ser eu, mas por vezes sei que não me amo. Você amou-se? Não é sabido. Talvez estivéssemos próximos a saber, assim que envolveu a corda em seu pescoço, assim que fez o nó, desfazendo-se de nós... Nós... No que você pensou?

Talvez esse falso gozo de amizade seja a compatibilidade de seu ato com o que faço todos os dias... Mato-me, mas diferente de você, renasço.

Veja, estou aqui, conversando com um morto. Morto... Muitos o fazem, sentem-se até correspondidos. Eu não tenho respostas. Não é sabido.

É tão burra a vontade de sair de mim mesma! Sempre há sobras, ou ressaca. Peço a todos que não tenham pena, peço a mim mesma que não fique ruminando sua importância, reduzindo lhe à morte.

Diz-se “era tão jovem”, mas estou já velha das emoções, cansada dessas canções que a gente ouvia... Já senti pela vida tanto, por isso não é com espanto que digo, Edson fez com o tempo, dissimulá-lo. É sabido meu flerte com a morte... É sabido.

Carolina Maria Souza
Enviado por Carolina Maria Souza em 08/02/2023
Reeditado em 30/05/2023
Código do texto: T7714465
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