23h35

Exatamente 23h35 de uma segunda-feira. Trabalhei, estudei, e tentei, como todos os dias, sentir-me satisfeito pela luta inacabável de todos os dias.

Esforço que me parece vão, porque inevitavelmente, como todos os dias, persiste em mim o impreenchido.

Seria a solução para isso o emprego de um esforço ainda maior? Seria a vontade humana capaz de preencher todo e qualquer vazio da alma? Pergunta essa que me faço todos os dias, e estou quase convencido de que não.

Olho pela janela, enquanto percorro este caminho diário no ônibus que me leva e traz da universidade, essa última que significa, pelo menos um pouco, a minha existência diante do mundo, e vejo rostos que parecem plenamente satisfeitos. Muitas vezes exaustos, mas carregando no fundo de suas expressões fadigadas o pleno sentimento de dever cumprido.

Quisera eu ser como eles, mas o meu cansaço não é pelo esforço. Ora, se fosse o esforço... Tudo seria muito melhor se fosse apenas uma questão de esforço e vontade. Pouco importa para o sucesso se nós andamos ou corremos se estivermos na direção errada.

Quisera eu, quem vos fala, ter um espaço no mundo. Não precisaria ser dos maiores, tão pouco grande, nem médio, ou mesmo pequeno...

Que fosse uma caixinha, das mais insignificantes, daquelas onde se colocam os funcionários mais vulgares, que realizam, sim, os trabalhos mais necessário para a manutenção da sociedade, mas que são, pequeninos nobres coitados, apenas o ínfimo, o diminutivo, e o infinitesimalmente zero, números, infinitos, depois da virgula, de um mundo que não os dá valor.

Quisera eu ser um deles, para que pudesse ao menos dizer: sim, contribuo, e estou satisfeito — ainda que, por vezes, como todos e para que se possa ser humano, sinta-se moderadamente triste e infeliz.

Não, não posso dizer isso. E por derivação, acabo de me arremeter ao pensamento que soaria absurdo para muitos, mas do qual não posso fugir: não sou humano! Minha caixinha foi roubada!

Todos os dias, incansavelmente, carrego nos ombros uma sombra que não controlo. Existiriam outros como eu?

Quantos outros, dos ínfimos, também não vivem assim, com uma sombra nos ombros? Quantos, com seu espaçozinho, sentem-se também sem lugar? Quantos mais, inhumanos? Como eu, outros, a trespassar os limites da sua caixinha através de um caminho enveredado às escuras anonimamente, sendo arrastados para fora dela e lançados ao desconhecido mundo da falta de sentido...

Para os outros, os que nos vêem de fora da caixinha, imaginam-nos encerrados dentro dela e perfeitamente quadrados, à guisa da moldura que teria nos emprestado o tempo.

Quantos de vocês, irmãos de espécie desconhecida, se existem, a vaguear para fora da caixinha da qual nunca queriam ter saído? Quantos subjugados pela sombra inominada, que lhes rouba o espaço no mundo?

Talvez precisemos reconhecer que empregamos uma vontade alheia a nossa natureza, e por isso sentimo-nos sempre impreenchidos. Seria a única explicação.

Giuliani
Enviado por Giuliani em 06/02/2023
Reeditado em 12/01/2024
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