Aceitar o humano
Quando resolvemos “juntar as escovas de dentes” com outra pessoa é natural que passemos a sonhar uma vida juntos. Pensamos em projetos, pensamos em caminhos, pensamos em um futuro que queremos viver ao lado de quem escolhemos para amar (seria mesmo o amor uma escolha?). Fato é que do encontro daquelas vidas uma nova surgirá. Uma vida em conjunto, em união, com pontos compartilhados, com inspirações sobre o amanhã que vem se aproximando.
E esses sonhos não se resumem apenas ao tipo de carro que gostaríamos de ter, ou o tipo de casa que gostaríamos de construir, ou sobre a cidade na qual gostaríamos de morar. Esses sonhos também dizem respeito aos cachorrinhos que queremos adotar, às plantinhas que queremos cultivar, aos ornamentos que sobre nosso lar queremos espalhar. Esses sonhos vão um passo mais à frente e alcançam os filhos que queremos ter. Como serão chamados? Quais cursos queremos que fazem? Qual profissão sonhamos para essas criaturinhas que ainda nem nasceram, mas já nos deixam tão animados? É natural. Fazemos planos. Seres humanos sempre fizeram planos ao longo de sua existência.
Acontece que esse futuro vai sendo construído (no presente). Alguns sonhos se concretizam exatamente como foram sonhados: morar em Gramados virou realidade! Outros sonhos passam por adaptações: não conseguimos aquele carro preto, mas o vermelho atende bem nossas necessidades. E outros precisam simplesmente ser esquecidos ou acabam sendo deixados de lado por terem perdido a importância: não precisamos mais de um pinheiro gigante na porta de casa. E há aqueles sonhos que na verdade nunca deveriam ter sido sonhados porque não dependiam de nossa vontade para que fossem realizados: nossos filhos não querem ser advogados ou médicas, querem ser artistas ou cantoras!
O que quero dizer aqui é que os sonhos que sonhamos para os nossos filhos são nossos. E apenas nossos. As expectativas são única e exclusivamente nossas. De maneira que é injusto, além de doloroso, derramá-las sobre seres que nem existiam quando fizemos plano em seu nome. Porque eles são singulares. Nossos filhos não são reproduções nossas nem continuações de nosso trabalho. São pessoas únicas e exclusivas em sua própria existência! Pode ser que não tenham inclinação à medicina ou ao direito, mas sentem-se realizados diante de uma tela em branco ou de uma partitura cheia de notas. Esses sonhos são menores? Inferiores? Claro que não. Quando o assunto é sonho não há melhor ou pior. Há apenas aqueles que fazem sentido à nossa própria existência.
Quando seu filho, ou então sua filha, olhar no mais profundo de seus olhos e confrontá-lo com o fato de que não está aqui para realizar suas expectativas, não o rejeite, não a condene, não os afaste. Abrace-os. E acolha-os. Você pode instruir. Você pode compartilhar a sua visão de mundo. Você pode revelar o que faz sentido para você em sua própria existência. Mas saiba ouvir. E saiba receber o que é que faz sentido para o seu filho ou o que é que tem significado para a sua filha. Consiga ver o humano que há neles: a capacidade de sonhar os próprios sonhos!
(Texto de @Amilton.Jnior)