Tempo

Quem diria que você se tornaria simplesmente uma sombra pálida na minha memória?

Ora, sim, por que não é para mim a minha mente, os meus sentimentos e a minha alma, o mundo todo?

Que é a realidade, para nós, se não nós mesmos? E os outros, que são os outros, se não nós mesmos, vistos de outra forma?

Projetamo-nos, isso é fato. Mas não só projetamo-nos, como também somos, de fato, os outros.

Sinto apenas a minha alma. E os outros? Trago em mim os outros. E sou eu os outros. Os outros… Não existe “os outros". No final, sou eu, eu mesmo, e uma profanação da minha própria imagem, transfigurada em outros corpos.

Há quem me julgará um egoísta da pior espécie; mas se aquele livro, que ditou o passado, inscreve o presente, e ecoara até a eternidade, diz que só Ele esquadrinha perfeitamente os corações, ainda assim, nobre leitor, sabendo disso, julgar-me-ia dessa forma? E para quem ainda insiste em pensar assim, volto-lhes a questão sobre o egoísmo, e retruco: há maior tirano ou déspota do que aquele que ignora todo o saber da história, e pensa ele, no seu íntimo, sem porquê, apenas por ser ele, ser o detentor de toda a verdade? E ainda, se não há maior pedante eivado do mais ilimitado amor-próprio do que aquele que diz compreender o próximo inteiramente, em seu âmago?

E o tempo? Joguete do desconhecido e prova cabal da tese que lhes apresento. Passa rápido ou devagar quando quer.

Quando quer?! Não, quando nós assim o ordenamos! Dilata-se, quando cada segundo é penoso para suportarmos e contraí-se deveras naqueles momentos que queremos eternizar.

Porque aplicamos ao tempo força contrária à nossa vontade é mistério do insondável, mas sei que hoje já não sofro, porque você morreu para mim. E de mim, para o todo, que sou eu. E isso é tudo.

Giuliani
Enviado por Giuliani em 01/02/2023
Reeditado em 29/05/2023
Código do texto: T7709076
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